10 August 2008

Como reequilibrar a inequação - Parte I - serviços ambientais

A possibilidade de valorização dos serviços ambientais providos pela floresta é a maior oportunidade econômica da Amazônia de hoje. No passado tivemos a borracha, no futuro provavelmente teremos a tecnologia para aproveitar nosso laboratório natural de formas inimagináveis hoje; no presente, para a região como um todo, os serviços ambientais podem ser a solução. Amazônidas ribeirinhos prestam serviços ambientais de manutenção do clima e ciclo da água, prevenção de aquecimento global, estocagem de biodiversidade, dentre outros. Só com uma pertinente diferença: sem remuneração.

Dando um passo nesta direção, o Amazonas em conjunto com a Fundação Amazonas Sustentável celebrou uma parceria com a cadeia de hotéis Marriott para preservar uma área de 5 mil km², buscando a melhoria das condições de vida para a população local (aproximadamente mil habitantes) e tendo como contrapartida a conservação da área e subseqüente provisão de serviços ambientais. Esta reserva, localizada ao Rio Juma, localiza-se no arco do desmatamento, de modo que, num cenário “normal”, seria desmatada nos próximos anos.

Este projeto está baseado numa doação inicial por parte da cadeia de hotéis e, subseqüentemente, contribuições de hóspedes que optarem por pagar um pequeno adicional às suas diárias para contribuir com a reserva. O projeto destina-se a implementar melhorias no monitoramento e o programa Bolsa Floresta, conduzido pela Fundação Amazonas Sustentável, presidida pelo ex-Ministro Furlan e ex-Secretário do Meio Ambiente do Amazonas Virgílio Viana. No que diz respeito a monitoramento, as principais ações incluem o acompanhamento via satélite e a presença de pontos de monitoramento bem equipados no chão. O programa Bolsa Floresta, além de um pagamento de R$50 mensais às famílias que não desmatam, inclui também pagamentos de aproximadamente R$750 por família por ano para as pequenas comunidades. Este dispêndio adicional deve ser gasto com organização comunitária (R$50 por família), atividades econômicas sustentáveis (R$350 por família) e melhorias sociais (R$350 por família, voltados a educação, saúde, transporte e comunicação).

Dois fatores do projeto destoam do rol de políticas de desenvolvimento antes experimentadas no país.

  • O financiamento não vem do orçamento público e sim, neste caso, da doação e dos rendimentos obtidos pela Fundação.
  • As comunidades decidem como melhor empregar os recursos, e não burocratas a milhares de quilômetros de distância.

O projeto está buscando ser remunerado com VERs (reduções voluntárias de emissões de carbono) seguindo a metodologia CCB (o padrão principal para projetos de carbono florestal), devido à redução do desmatamento esperado. A metodologia CCB parece emergir como principal na avaliação de projetos REDD (Redução de Emissões baseadas em Desmatamento e Degradação), de extrema relevância para a região amazônica.

Dentre os diversos fatores positivos neste exemplo, destoa como de maior importância o advento do incentivo econômico em favor da floresta de pé. Começa assim a mudança da equação econômica “floresta de pé vs. floresta deitada”. Somente este re-equilíbrio vai permitir a criação na Amazônia de uma economia sustentável da qual nos orgulharemos.

Com parceiros como o Marriott e o Bradesco, o Estado do Amazonas poderá alcançar um cenário no qual o desmatamento, já num nível baixo (por volta de 750 km² ou 0,05% do estado por ano), reduzir-se-á para zero. É evidente a necessidade da ampliação destes esforços, restando apenas a dúvida de como fazê-lo.

Embora exista a esperança e expectativa de que mais cidadãos e empresas responsáveis irão voluntariamente ampliar suas contribuições a projetos semelhantes (caso você seja um deles, visite o site www.fas-amazonas.org), seriam necessários quase mil projetos semelhantes para cobrir a Amazônia toda. A solução cabal para proteger todos os 4,3 milhões de km² de Amazônia brasileira pode advir de um novo regime internacional de valorização e pagamento por serviços ambientais. Este regime é hoje discutido para assumir a lacuna do Protocolo de Quioto que termina em 2012; o Amazonas propõe que recebamos créditos de carbono (pela armazenagem de carbono) ou créditos por quaisquer outros processos ambientais (em grande parte cobertos na metodologia CCB) em troca de conservação. Tendo em vista que os benefícios serão desfrutados por todos, nada mais justo que os custos também sejam partilhados por todos.

Lembremo-nos apenas dos preceitos de justiça social, equilíbrio político, viabilidade econômica e adequação ambiental (Prof. Benchimol). A conservação da floresta deixa de ser um indicativo da ausência do homem e da inatividade econômica para denunciar humanização e pujança regional.

A inequação do desmatamento na Amazônia

A conservação da Amazônia torna-se um tópico cada vez mais importante dentro das discussões sobre a mudança climática e aquecimento global, devido à sua relevância tanto como sumidouro de carbono, quanto como repositório de biodiversidade e regulador natural de vapores na atmosfera e do clima. É indiscutível que precisamos conservar, sendo que os dias de embate implacável entre ambientalistas radicais e desenvolvimentistas de visão curta são coisa do passado. Ambos mudaram: ambientalistas, em sua maioria, passaram a reconhecer e levar em consideração o imperativo sócio-econômico; governos e desenvolvimentistas entendem a necessidade de cooperação em temas ambientais cujas implicações são tanto globais como locais. Reforçando ambas visões estão os prejuízos econômicos causados em 2005, ano de simultâneos rios secos na Amazônia e terríveis furacões (inclusive Katrina) no Caribe e Estados Unidos.

Em meio a esta nova compreensão dos perigos econômico-ambientais, é de surpreender que não estejamos todos (e por todos me refiro aos 25 milhões de Brasileiros Amazônidas) empenhados na preservação da Amazônia. Contudo, para grande parte destes 25 milhões, permanece uma antiga equação: a floresta ainda vale mais deitada do que de pé. Criação de gado, extração de madeira e agricultura são atividades mais lucrativas que a extração sustentável de castanha, óleos e essências.

Tradicionalmente, a extração legal de madeira é algo burocrático demais para pequenos proprietários e arriscado demais para grandes empresas, a terra é barata e abundante promovendo a utilização contínua de novas áreas, e o monitoramento e a aplicação das leis são frouxos demais para fazer com que a formalidade valha a pena. Nos últimos anos, a principal mudança a esta equação vem das instituições brasileiras que têm melhorado no que diz respeito ao monitoramento e à aplicação das leis, o que tem aumentado o custo da informalidade, sem entretanto aumentar a atratividade da formalidade. Esta mudança na equação tem tido o efeito benéfico de reduzir o desmatamento. No entanto, como efeito colateral, a produtividade tem-se reduzido em muitas das áreas mais pobres e, tradicionalmente, mais informais, onde pequenos empresários e trabalhadores autônomos não estão dispostos ou não têm condições de aderir à economia formal. É o caso quando vemos a presença da Polícia Federal retaliada durante a operação Arco de Fogo.

O governo federal tem lidado com parte do problema por meio de programas sociais como Bolsa Família, mas a ação mais importante, viabilizar economicamente a região, ainda apenas engatinha. A visão nacional de que a Amazônia é um tema ambiental da mesma forma como o nordeste é tema social em nada contribui. Não somos apenas tema ambiental e portanto a discussão sobre nosso futuro não pode ser discussão apenas ambiental. É também social, econômica e política. A solução deve ser ambientalmente adequada, socialmente justa, economicamente viável e politicamente equilibrada, já dizia o Prof. Samuel Benchimol.

Alguns governos estaduais têm desenvolvido outras soluções inovadoras em busca desta viabilidade. No Amazonas, as políticas estaduais têm buscado exatamente fornecer incentivos para mudar a equação econômica por meio de:

  • Fixação de preços mínimos para produtos produzidos de forma sustentável, como óleos, essências e látex, para que estes possam fazer frente aos ganhos com desmatamento;
  • Estabelecimento do Bolsa Floresta, um programa de transferência de renda para famílias que habitam a floresta, que exige como contrapartida um comprometimento com o não-desmatamento, verificado via satélite;
  • Aumento dramático com o investimento em ciência e tecnologia, direcionado para o desenvolvimento de tecnologias sustentáveis que possam eventualmente tornar a floresta em pé mais valiosa econômicamente;
  • Assistência técnica para os pequenos proprietários e cursos à distância sobre silvicultura, manejo florestal e piscicultura, para que possamos utilizar as melhores práticas de aumento de produtividade de forma sustentável;
  • Concessões de títulos de propriedade da terra para que posseiros passem a ser proprietários e possam contar com os benefícios de ter um ativo de valor no mercado e reconheçam financeiramente suas obrigações e deveres;
  • Concessão de financiamentos preferenciais através da agência de fomento estadual para projetos de pequena escala em segmentos sustentáveis como piscicultura, manejo florestal, produção de mel, etc.

O monitoramento e a aplicação das leis têm sido também melhorados, mas de modo a complementar às iniciativas mencionadas.

Todos esses esforços têm um objetivo claro: reequilibrar a equação em favor das florestas de pé para aqueles que nela vivem. De um ponto de vista econômico, nosso objetivo é incluir as externalidades na equação.

É importante, porém, lembrar que, embora haja de fato benefícios locais, os mais importantes benefícios são observados em outros lugares, por meio da prevenção das mudanças climáticas ao redor do globo, da mudança dos padrões regionais de chuva e da perda de biodiversidade no mundo. Por exemplo, a energia que abastece o sudeste brasileiro é em grande parte gerada por hidrelétrica que têm suas águas oriundas de chuvas geradas e recicladas na Amazônia. O desmatamento reduz a reciclagem de chuvas e pode ter um impacto nocivo na geração de energia nacional. Chega-se, desta forma, ao tópico da valorização dos serviços ambientais prestados ao mundo (inclusive Brasil) pela floresta amazônica.

Atualmente, o Estado do Amazonas e o governo brasileiro financiam suas políticas de preservação por meio de seus próprios orçamentos. O orçamento do Amazonas de aproximadamente R$2 mil por habitante por ano, nem é suficiente para cobrir os custos de saúde, educação e provisão dos demais serviços governamentais para nossa população, quem diria para financiar o rebalanceamento da equação. Trata-se de um estado especialmente complexo, no qual um vôo interno pode durar duas horas e custar mais de R$1.000.

03 August 2008

In environmental services lies part of the solution

The Amazon rain forest has become an important topic within the climate change discussions, given its importance not only as a carbon sink, but also as a depository of biodiversity, and a natural water and climate regulator. Its conservation is a necessity, no longer subject to argument. Gone are the days of ruthless clash between tree-hugging environmentalists and single minded developmentalists. Both camps have moved: environmentalists for the most part recognize and appreciate the imperative of improving living conditions and governments/developers begin to understand the need for cooperation on environmental topics that have both local and global implications. Fresh in everyone´s mind are the simultaneous drought in the Amazon of 2005 and the Katrina-led hurricane season in the Caribbean.

Amid unprecedented understanding of environmental harm, one might conclude that the Amazon conservation should be but a consequence. However, for the 25 million Brazilians that inhabit the forest, lies an unchanged equation: the forest is still worth more lying down than standing. Cattle breeding, logging, and agriculture prove more profitable than sustainably extracting nuts, oils and essences. Traditionally, legal logging is too bureaucratic for small landowners, land is too cheap and abundant for anyone to conserve it, and monitoring and enforcement too lax to make formality worthwhile. However, Brazilian institutions have improved in the areas of monitoring and enforcement, thus increasing the costs of informality. Such a change to the equation has had the desired effect of reducing deforestation. An unintended consequence, however, has been the reduction of productivity in many of the poorer and traditionally more informal areas.

The Brazilian Federal Government has partially dealt with it through the Bolsa Família program, which is a transfer payment to poor families. State Governments have developed other solutions. In Amazonas, the largest Brazilian State (2.3 times the size of Texas), located in the Western part of the Brazilian Amazon, state policies have focused on increasing incentives for sustainable activities through:

  • the establishment of minimum prices for sustainably produced goods, such as oil, essences and rubber;
  • the establishment of the Bolsa Floresta, a transfer payment for forest dwelling families in exchange for a no-deforestation commitment, monitored via satellite;
  • a five-fold increase in Science & Technology investment, looking for the development of technologies that tip the economic balance towards sustainability;
  • technical assistance for existing small landowners as well as distance learning courses across the state on forestry, forest management and fish farming;
  • land tenure concessions in order to give ownership to those who occupy the land, imputing to them rights and duties;
  • the concession of preferential financing for small scale projects in segments designated as sustainable, such as fish farming, lake wildlife management, honey production, etc.

Monitoring and enforcement have been also increased, but as a form of support for the above mentioned initiatives.

All of these efforts aim at rebalancing the equation of forest lying down versus forest standing to those living within it; they are aimed at including the externalities within the equation. It is important to remember where the externalities lie: climate changes across the globe, rain patterns changing regionally and loss of biodiversity in the world. Most of these are externalities that will be felt outside Brazil and hence we arrive at the topic of valuation of environmental services. Currently, the State of Amazonas and the Government of Brazil incur these costs mostly out of their own budgets. Amazonas´ budget of roughly USD 1,000 per citizen per year is hardly enough to cover universal health care and education for our population of 3.5 million, let alone incentives to reduce deforestation that are not supported by any other source. A round trip ticket to fly from Manaus, the State capital, to Tabatinga, within the State´s border, is often above USD 1,000.

The possibility of valuing environmental services, the most well known of which is carbon credits, provides for the Amazon the greatest opportunity in history. In an innovative structure, the state partnered with Marriott hotels to preserve a conservation area of 500 thousand hectares, providing improvement of living conditions to the population inhabiting therein, in exchange for the provision of environmental services of reduction of future likely carbon emissions. This reserve, at the Juma river, is on the arc of deforestation (i.e. would likely be deforested in a business as usual scenario) and addresses social improvements, sustainable development support, transfer payments and strength monitoring to be rewarded with VERs (voluntary carbon emissions reduction) as per the CCB standards, mainly due to the reduction of the expected deforestation.

Most important in this project is the advent of a powerful economic incentive in favor of the standing forest. With strong international partners such as Marriott, the State of Amazonas will be able to achieve a scenario in which deforestation, already at a low level (roughly 750 sq. km or 0.05% of the State is deforested per year), will be zero. However, such actions are still a drop in the ocean as result of political efforts and some corporative environmental initiatives. A global environmental services framework regime is required. The new version of the Kyoto Protocol, currently being negotiated under the UN Framework Convention on Climate Change (UNFCC), should include the valuation of environmental services if we are to move forward, not only in the Amazon, but also across the land of tropical forests. As committed as we are to this goal, state government funding alone cannot support the immense variety of actions needed, and yet given that the benefits are to be shared by us all, it would not even be fair to rely solely on our local budgets.

C&T contribuindo para a Economia Amazônica

A academia brasileira tradicionalmente sempre relutou em trabalhar com a iniciativa privada. A pesquisa voltada ao desenvolvimento de interesses econômicos sempre foi vista como inferior àquela focada no puro conhecimento. Acredito, inclusive, que esta postura explique a ausência de recursos privados aplicados na pesquisa, os quais, em geral se dirigem aos setores onde são mais bem-vindos.

Esta postura tradicional vem mudando e acredito que a Fapeam tem tido um papel fundamental na quebra deste paradigma. Administrações sucessivas da Sect têm buscado desenvolver linhas de pesquisa diretamente ligadas ao aproveitamento sustentável econômico das potencialidades da região.

É neste espírito que temos hoje potencialmente um dos mais importantes projetos do Amazonas subsidiado pelo conhecimento científico. O projeto Reserva do Rio Juma, que está sendo implantado pela Fundação Amazonas Sustentável e patrocinado pela cadeia de hotéis Marriott, desponta como a janela pela qual se busca há muitos anos na Amazônia. Meu avô, professor Samuel Benchimol, há muitos anos já propunha que a solução para a Amazônia inegavelmente passaria pela remuneração por preservação. Sucessivas negociações internacionais parecem apontar na direção de mecanismos de remuneração de REDD (Redução de Emissões de Desmatamento e Degradação) na nova negociação do Protocolo de Kyoto, que entrará em vigor em 2013.

Para que sejamos remunerados, precisamos passar por quatro fases: determinação de uma área foco, determinação da probabilidade de desmatamento desta área anualmente, aferição do volume de carbono estocado naquela área e determinação das conseqüências da implantação de um projeto que vise à redução do desmatamento. Há poucos anos atrás, este projeto seria impossível devido à falta de conhecimento que tínhamos sobre a nossa floresta. Hoje, finalmente, podemos responder, aproximadamente, quanto de carbono está estocado em um determinado hectare. Também podemos responder quais as áreas da Amazônia que provavelmente seriam desmatadas nos próximos anos, devido a extensos estudos, inclusive publicados na revista Nature.

Comprovadas e auditadas todas estas etapas por firma reconhecida internacionalmente, teremos o instrumento financeiro, na forma de VERs (Redução de Emissões Voluntárias), para obter recursos voltados à preservação. É o primeiro passo na remuneração dos amazônidas pela preservação. É possível, assim, que reequilibremos a equação do valor econômico da floresta em pé, vis a vis, a floresta derrubada. É uma equação que há muito empobrece a Amazônia e prejudica o mundo; mudá-la é prioridade de todos.