02 November 2008

UM PROJETO ECONÔMICO, SOCIAL, POLÍTICO E AMBIENTAL PARA O GÊNERO HUMANO

Samuel Benchimol

Professor Emérito da Universidade do Amazonas

Conferência Internacional “Amazônia no Terceiro Milênio - Atitudes Desejáveis”.

BSGI, Soka Gakkaim, FUA, INPA, Governo Estado do Amazonas

Manaus, 21 a 23 de outubro de 1999

 

 

Antigamente aprendia-se nas escolas primárias, nas aulas de Lições de Coisas e História Natural que o mundo era constituído por três reinos: o vegetal, o animal e o mineral.

 

O homem estava, assim, no passado inserido no ecossistema animal como parte do bioma e da biosfera terrestre. Nesse tempo, face à modéstia e ao pequeno poder de destruição do gênero humano foi possível conviver com a natureza, de forma sustentável, e continuar ao longo dos milênios uma coexistência mais ou menos pacífica.

 

O homem, no entanto, distanciou-se dos demais seres do reino animal e dos outros reinos, na medida que a sua inteligência e maturidade foi ganhando e obtendo novas forças e elementos de domínio, poder e destruição. Nesse ponto, ele deixou de pertencer ao gênero animal, passando a constituir, na face da biosfera, uma nova espécie do reino humano. Neste novo reino, o homem passou a dominar e comandar as outras forças e seres vegetais, animais e elementos abióticos através de ações e tecnologias de alto impacto e poder destruidor.

 

Assim se processou a clivagem do reino humano, que se separou do reino animal, vegetal, mineral, pedológico, hídrico, biosférico, gerando com isso ações de domínio e extermínio, propiciadas por tecnologia de alto impacto, poder de destruição e insustentáveis no médio e longo prazo. A cadeia do mutualismo e convivência na face da terra foi rompida com a substituição das formas primitivas de produção, com a descoberta do fogo, invenção do machado de pedra, coleta e apanha dos produtos naturais, invenção da agricultura, domesticação dos animais e outras artes e ergologias menos sustentáveis, que foram se multiplicando a partir da Revolução Industrial até os dias atuais, dominados por todos os artefatos de destruição e bens de alto poder de desordem entrópica.

 

O problema de cissiparidade e clivagem entre o homem e a natureza agravou-se com a introdução de tecnologias agressivas destruidoras do meio ambiente e com a explosão demográfica, que fez a população mundial multiplicar por 4 vezes neste século. No princípio do século éramos: 1,5 bilhão em 1900; 2,0 bilhões em 1927; 3,0 bilhões em 1960 e em 39 anos passamos de 3 para 6,0 bilhões em outubro deste ano. No Brasil éramos 17,4 milhões em 1900 e mais de 160 milhões em 1999. Em 1970 éramos 90 milhões em ação, conforme dizia a música do campeonato de futebol e hoje somos 160 milhões em menos de 30 anos. O pior é que, em termos mundiais, 3 bilhões dessa população vive com cerca de US$ 2,00 por dia e 1,3 bilhão com cerca de US$ 1,00 por dia, o que gera extrema pobreza e indigência, cuja sobrevivência os força a aderir ao processo de degradação do meio ambiente. Na Amazônia, em 1872, a população era de 332.847 - 1.462.000 em 1940, quase dobrando para 2.561.000 em 1960, para chegar aos 18.000.000 em 1996 e, provavelmente 20 milhões no final deste século, com um crescimento médio de 4 a 5 milhões de habitantes por década, devido à migração e a abertura das novas fronteiras econômicas, decorrentes das ligações rodoviárias e do processo de colonização e expansão das fronteiras humanas, que desceram do centro-sul e nordeste para ocupar o arco do escudo sul, do cerrado e da floresta amazônica.

 

Essa grande vaga de população veio agravar a extrema desigualdade entre a pobreza e a riqueza, bem como criar problemas do uso e abuso dos recursos naturais. O pobre polui pela extrema indigência e miséria para sobreviver, destruindo o meio ambiente, a qualquer custo, e causando sérios problemas de saneamento e marginalidade social nas grandes cidades. Os países emergentes poluem pela penúria, enquanto que os desenvolvidos poluem pelo uso de tecnologias altamente produtivas, de custo barato, porém extremamente danosas, agressivas, perigosas e incontroláveis.

 

Deste modo, os países desenvolvidos se tornaram os principais causadores da poluição do ar atmosférico, efeito estufa, chuva ácida, buraco de ozônio, contaminação das águas pelos agrotóxicos e herbicidas, erosão e desertificação dos solos e outras técnicas que fazem aumentar o ritmo da produção à custa da externalização barata dos custos de produção, gerando crises ambientais e perspectivas sombrias para o futuro da vida. O problema se agrava porque  o mundo desenvolvido não quer pagar os custos da internalização de caras tecnologias de manejo florestal, sustentabilidade ambiental e técnicas de baixa densidade de ruptura do meio ambiente e desequilíbrio dos ecossistemas interdependentes.

 

Para mascarar esses desígnios de dominação, os países industrializados criaram planos e políticas para salvação planetária, mantendo as suas tecnologias poluidoras para preservar os empregos, a renda de suas populações e transferindo para o terceiro mundo, com destaque a Amazônia, os ônus da preservação e equilíbrio da biosfera, através do programa denominado PPG7. Nesse plano piloto de proteção das florestas tropicais remanescentes, ficou estabelecido que, em troca de seus minguados auxílios e ajudas de alguns milhões de dólares, emprestados ou doados a governos e instituições tropicais, seria fixada uma política rígida de preservação ambiental, sob o império de um extremado direito penal ecológico, com multas milionárias e criação de um forte aparato policial e apenação criminal, sob o pretexto de salvação planetária ou de ameaças de ocorrências escatológicas de alteração do clima global e da própria sobrevivência do homem atual e das gerações futuras.

 

Esse programa, cuja adesão é necessária, para obtenção de avais, fianças e empréstimos internacionais, ficou implicitamente estabelecido que, na Amazônia, que detém ainda cerca de 80% de sua floresta tropical de 500 milhões de hectares, e no Amazonas com cerca de 97% de sua cobertura vegetal intacta de 150 milhões de hectares, somente poderiam ser praticadas técnicas primitivas de baixa densidade e impacto ambiental, que perpetuasse a natureza e a pobreza.

 

Assim, nesse receituário político caberia à Amazônia apenas atividades primárias de extrativismo de apanha e coleta, atividades florestais não madeireiras, turismo ambiental para venda de paisagem e cantos de pássaros, reservas indígenas, artesanatos, atividades folclóricas, produtos nativos, pesca artesanal, garimpagem, urina de jacaré (para extração de almíscar para perfumaria, segundo a descoberta do biólogo Ronis da Silveira, do INPA), a estranha “vocação cerâmica” (sic), recomendada pelo Ministro Tapias, do Desenvolvimento, áreas de sobrevivência para os povos da floresta, agricultura familiar de sítios e roças comunitárias, prestação de serviços gratuitos da floresta com a sua função de seqüestro do carbono, manejos florestais de custo inviável, reservas ecológicas, em troca da promessa de uma indústria de biologia molecular com base em nossa biodiversidade, cuja constituição e montagem depende de um fortíssimo suporte e retaguarda de uma avançada vanguarda de ciência e tecnologia fortemente entrincheiradas nos redutos universitários e nos laboratórios do primeiro mundo.

 

A manutenção na Amazônia nesse quadro de status quo ex-ante implica naturalmente na aceitação e subordinação passiva do receituário acima que nos é imposto pelo PPG7 e outros organismos financeiros internacionais sob condição de que o comportamento do amazônida continue espartano e primevo, segundo os padrões sacerdotais dos três juramentos: pobreza, castidade e obediência aos paradígmas e padrões impostos de abstenção e uso dos recursos naturais e de submissão aos ditames do poder de gestão e decisão dos nossos destinos, gerados no além e no aquém fronteiras.

 

Chegamos, assim, a um impasse entre produtivistas e naturalistas. Os produtivistas querem produzir a custo menores, desprezando técnicas moderadas e de baixo impacto ambiental, geralmente caras, pouco produtivas, dispendiosas e de longo prazo. Os naturalistas querem preservar a natureza a qualquer custo, evitando a ação predatória da tecnologia moderna, criando santuários e severas leis de prática ambiental. Além disso, a perversa relação de trocas existente entre o mundo industrializado e o subdesenvolvido gerou, com a crise asiática, a redução dos preços das matérias primas, commodities, inclusive a madeira, que teve o seu preço reduzido de US$400 por m3 para US$200 por m3 no mercado internacional. Como se pode manter e promover a sustentabilidade ambiental, quando os preços das matérias primas e commodities desabam no comércio internacional, enquanto que os produtos e bens industriais de alto valor agregado, useiros e veseiros no uso de tecnologias sujas e baratas, aumentam seus preços graças à cartelização das grandes corporações mundiais que as controlam e as ampliam com o atual modelo de globalização corporativa de mercados sem-fronteiras?

 

Cria-se, assim, uma dualidade incompatível e desigual. Produzir em larga escala e a custo menores é sinônimo de poluir o meio ambiente. Conservar ou preservar é impedir a ação dessas técnicas produtivas e, deste modo, regredir para o primitivismo indígena, baseado na coleta e extrativismo de produtos de baixíssimo impacto ecológico, ou para vender paisagens para o ecoturismo. A sinalização de uma economia voltada para a biodiversidade ainda é uma utopia e no estágio atual nos tornaremos apenas fornecedores primários de plantas, raízes e animais que irão gerar, nos laboratórios transnacionais fármacos, produtos médicos de alto valor agregado. Se não houver mudança de consciência e muita ciência a serviço de todos os sócios desta nova empreitada, essa parceria gerará um intercâmbio desigual, ingrato e hipócrita.

Por isso, Schumacher no seu Small is Beautiful – O negócio é ser pequeno, e outros cientistas do Clube de Roma, favoráveis ao crescimento zero, propuseram que a solução seria a volta ao artesanato e às técnicas brandas, artesanais e familiares. Isto é impossível em um mundo que passou de 1,5 bilhão no ano 1900 para 6,0 bilhões de habitantes em 1999.

 

O grande problema que enfrentamos, assim, reside no alto nível da produção agressiva e da capacidade dos ecossistemas de absorverem e reciclarem os resíduos, os lixos e as sucatas dos bens produzidos, que leva o mundo a um impasse de difícil solução. Nós não podemos continuar produzindo desperdícios e bens poluentes cada vez mais e reproduzindo a população na média de 70 milhões de habitantes por ano - a maioria desse crescimento é da classe pobre e indigente - que agrava o problema em um mundo já saturado de meios agressivos de produção, incompatíveis com a qualidade de vida e a capacidade de suporte da terra e do meio ambiente.

 

Essa economia produtiva de alta tecnologia e agressividade torna-se, cada vez mais, mais generalizada, enquanto que a natureza perde espaço, tamanho e grandeza, criando assim uma situação de insustentabilidade e descompasso ao desenvolvimento entre os reinos vegetal, animal e humano. Por isso, é preciso fazer a distinção entre crescimento e desenvolvimento, porque crescer é ficar maior, ao passo que desenvolver é ficar melhor. O desenvolvimento já engloba e inclui o conceito de sustentabilidade ecológica, viabilidade econômica, correção política e justiça social e ética - os quatro paradígmas ideais para a construção de uma nova ordem mundial.

 

Este é o mais importante problema e desafio que  teremos que nos defrontar no próximo milênio: como conciliar a produtividade econômica, que exige cada vez mais insumos baratos e técnicas perigosas e poluidoras, com a conservação da natureza que exige mais espaço para os animais e plantas poderem sobreviver. Precisamos de menos agressão, produtividade e tempo mais longo de reciclagem e de absorção dos efeitos produzidos causados, na sua maior parte, pelos países mais ricos, cujas economias transferem para o setor público os efeitos deletérios de externalização barata: doenças, poluição, agressão, lixo, dívida social, dumping, e se recusam a pagar as despesas crescentes, cada vez maiores, de internalização dos custos de manejo, sobrevivência da espécie, manejo florestal, manutenção do ecossistema, equilíbrio entre as forças produtivas e as necessidades dos ecossistemas, cuja destruição pode levar não somente à extinção das espécies, mas também impossibilitar o desfrute qualitativo da vida humana em nossa biosfera.

 

Para evitar ou pelo menos minimizar os impactos antrópicos do reino humano sobre o universo da biosfera é necessário construir uma agenda positiva, de longo prazo e onerosa implementação. Nessa agenda deverá constar, pelo menos, as seguintes providências e fatores:

 

1.      Investir na educação econômica, ambiental, social e política para construir uma sociedade mais justa e menos impactante e desigual.

 

2.      Desenvolver ciência nova e criativa para descobrir novos meios e rotas de produção menos impactantes e novas tecnologias de ponta de baixa densidade e alto rendimento de valor agregado em toda a cadeia produtiva.

3.      Eliminação de todos os desperdícios, perdas, dejetos, lixos e materiais descartáveis não biodegradáveis, que possam contribuir para a formação de uma política de reciclagem, reconstrução e reaproveitamento dos subprodutos, disprodutos, despejos e rejeitos.

 

4.      Aumento do tempo de vida dos bens e objetos da produção econômica, evitando a obsolência planejada da produção.

 

5.      Melhoria na qualidade dos produtos e nas técnicas produtivas, de forma a evitar riscos e danos materiais, econômicos, ambientais e sociais.

 

6.      Desenvolvimento de formas de energia limpa, baseada no hidrogênio, e outras formas simples e não convencionais como a energia solar, eólica, dos mares, correnteza dos rios, em substituição as atuais e complexas formas energéticas, baseadas no carbono, enxofre, cloro, ácido nítrico e outros compostos químicos responsáveis pelo efeito estufa, chuva ácida, buraco de ozônio e mudanças climáticas.

 

7.      Mudança nos hábitos alimentares com ênfase no desenvolvimento de novos produtos de consumo de origem vegetal, hortigrangeiro, frutífero e criação de pequenos animais e peixes, de fácil reprodução e baixo custo em termos de produção de calorias, proteínas, vitaminas, carbohidratos e que possam ser reproduzidos em cativeiro, em pequenos espaços ou usando técnicas hidropônicas, plasticultura e outras formas modernas de produção.

 

8.      Esforços científicos e tecnológicos para desenvolver tecnologias baratas para dessanilizar a água do mar, para compensar a atual escassez de água potável superficial dos rios e lagos e dos mananciais subterrâneos, que representam apenas 0,63% do estoque mundial de água doce e 2,07% de água potável congelada nos pólos ártico e antártico, comparados com 97,30% da massa de água salgada dos mares e oceanos.

 

9.      Ciência e tecnologia para implantar manejos florestais de baixo custo e alto rendimento, mediante novos métodos de clonagem, enraizamento por estacas, clonagem e métodos gênicos e transgênicos, que tornem sustentável o uso dos recursos madeireiros e não madeireiros das florestas tropicais e boreais.

 

10.  Controle do clima e dos fatores metereológicos, sobretudo da chuva, seca, furacões, tornados, maremotos, erosões e alagações, responsáveis pelos fatores extremamente negativos em termos de proteção ambiental e de ajuda ao desenvolvimento da uma agricultura, pecuária e piscicultura de alto nível e rendimento, isentos dos azares e dos fatos estocásticos da sorte, azar, desastres e outros elementos destrutivos.

 

11.  Combate às doenças, pragas, fungos, vírus, bactérias e outras formas de elementos destrutivos da saúde do homem, dos animais, das plantas, dos peixes, do solo e das águas.

 

12.  Desenvolvimento de novos tipos de fertilizantes químicos e orgânicos inofensivos, que propiciem o enriquecimento do solo, atendam as necessidades de alimentação dos vegetais e dos seres humanos sem riscos de contaminação e degradação e poluição.

 

13.  Adoção de uma política de ar limpo e saudável com a exclusão de todo e qualquer energético ou combustível contaminante, asfixiante e degradante.

 

14.  Desenvolvimento de novos materiais e produtos isentos de contaminação, irradiação, poluição e esgotamento de recursos naturais renováveis ou não.

 

15.  Eliminação total de veículos automotores do ciclo diesel, gasolina e outros hidrocarbonatos asfixiantes, poluentes, corrosivos, oxidantes, envenenantes e destruintes da atmosfera e troposfera terrestre.

 

16.  Eliminação total dos combustíveis nucleares provenientes da fissão nuclear, baseado no urânio, estrôncio e outros materiais radioativos, suscetíveis de rápida contaminação em cadeia e permanência na superfície, solo, subsolo e atmosfera durante milhares de anos, em casos de vazamento, explosão ou quebra dos reatores.

 

17.  Proibição total da fabricação de usinas nucleares e não nucleares, armas brancas e de fogo, para eliminar de vez os excepcionais desperdícios orçamentários, responsáveis pela criação de um cartel de países detentores de alto poder de destruição da humanidade, bem como o banimento de quaisquer outras armas químicas e bacteriológicas.

 

18.  Eliminação da pobreza e da indigência da face da terra, mediante políticas de educação, saúde, habitação, emprego e renda, diminuindo a atual amplitude do coeficiente de Gini da desigualdade econômica para níveis aceitáveis de  subsistência compatíveis com a dignidade humana.

 

19.  Controle de natalidade em todos os níveis sociais, de modo que a atual população mundial se estabilize em torno dos atuais seis bilhões de habitantes, mediante adoção de técnicas de prevenção e limitação de filhos, a fim de propiciar, a todos, alimentação, educação, saúde, habitação e cidadania com inclusão de todos os excluídos.

 

20.  Instituição do Imposto Internacional Ambiental a ser controlado e cobrado pela Tesouraria da ONU, a incidir sobre os países poluidores, mediante o princípio do pagamento pelo poluidor para desestimular práticas e operações danosas ao meio ambiente. Estes recursos seriam destinados a um Fundo Internacional com o objetivo de desenvolver ciências e tecnologias limpas, novos produtos sustentáveis e remunerar aqueles países e regiões que fizeram renúncias econômicas em favor da conservação e preservação ambiental dos recursos naturais florestais, pedológicos, hídricos e ecossistemáticos.

 

21.  A Amazônia Brasileira Ocidental seria a grande beneficiária desses recursos porque, segundo o cientista Philip M. Fearnside, do INPA (1997 - in Serviços ambientais como estratégia para o desenvolvimento sustentável na Amazônia Rural), a estimativa média do valor desses serviços prestados pela floresta amazônica ao resto do mundo, em termos de sumidouro de carbono, ciclagem de água e biodiversidade seria da ordem de US$ 236 bilhões/ano pelo seu valor máximo, US$ 38 bilhões/ano pelo valor médio e US$ 12 bilhões/ano pelo valor mínimo.

 

Uma outra estimativa feita pela revista científica britânica Nature, estima que os serviços prestados pela floresta amazônica para o resto do mundo montam a US$ 2.000 por hectare, que multiplicados pela área da floresta densa, várzea, igapós, matas de transição de 360 milhões de hectares, segundo cálculos de Murça Pires e William Rodrigues, daria um valor de US$ 720 bilhões/ano. Segundo informação do Prof. Marcelino da Costa (in De-senvolvimento Sustentado, Globalização e Desenvolvimento Econômico, 1997, Belém), transcrevendo dados de W.D. Nordhaus e endossado pelo Informe BID/PNUD (1994), o custo estimado de evitar que uma tonelada de CO2 seja lançado para a atmosfera é de US$ 4,00 por ton, se se controlar o desflorestamento da Amazônia, US$ 10,00 por ton para uma redução das emissões de veículos e indústrias dos Estados Unidos, US$ 30,00 por ton para o reflorestamento da Amazônia e US$ 130,00 para uma redução de uma tonelada de emissão de  bióxido de carbono nos Estados Unidos.

 

O Dr. Fearnside, do INPA, estima que o valor por tonelada de carbono permanentemente seqüestrado pela floresta amazônica, utilizando os valores baixo, médio e alto é de US$ 1,80, US$ 7,00 e US$ 66,00 por tonelada. O Prof. L. C. Molion, do Instituto de Pesquisas Espaciais - IPE, estimou que os 350 milhões de hectares da floresta da terra firme amazônica seriam suficientes para seqüestrar da atmosfera 25% do total de carbono, que é anualmente lançado pelo mundo pela queima dos combustíveis fósseis, estimado em cinco bilhões de ton/ano. Portanto, a floresta amazônica seqüestraria cerca de 1,5 bilhão de ton/ano de CO2 (Vide L. C. Molion - The Amazonia and the Global Climate). Daí, ser mais barato preservar a floresta amazônica, mesmo pagando altos e justos valores pelos serviços gratuitos que ela presta hoje como sumidouro de carbono para toda a humanidade.

 

22. Os valores acima estimados, que representam serviços prestados pelo nosso bioma amazônico ao resto do mundo, de forma gratuita e sem remuneração, precisam ser avaliados e contabilizados no rateio dos recursos arrecadados pelo Imposto Internacional Ambiental da ONU, a ser criado, para remunerar, inclusive, a renúncia econômica que os habitantes de regiões como a Amazônia, que se abstém de usar os seus recursos naturais para fins econômicos, preferindo manter, conservar e preservar os seus valiosos recursos florestais naturais. A despeito das dificuldades e objeções políticas internacionais, esse Imposto um dia deverá ser criado e utilizado para balancear o atual desequilíbrio entre os países que enriqueceram à custa do sacrifício de seus recursos naturais e àqueles que optaram por não utilizá-los, enfrentando, com essa atitude, a dificuldade, a desigualdade e a pobreza resultante dessa renúncia.

 

23.  Para finalizar, é preciso dar ênfase na qualidade de vida e dignidade do trabalho, na criatividade e solidariedade humana, de modo a desenvolver plenamente as forças culturais da inteligência e da sabedoria no campo da produção, das ciências, das tecnologias e das artes. Para enriquecer o papel do homem na construção de uma sociedade mais próspera e feliz para todos, que se renove e se solidarize com as próximas gerações e que seja duradoura e sustentável do ponto de vista econômico, ambiental, político, social e ético: com o olhar para estes paradígmas e mandamentos, a biosfera aguarda e espera, com intranqüilidade e desesperança, a chegada desse tempo messiânico, com o anúncio da nova Declaração Universal dos Direitos do Homem, das Plantas e dos Animais.

01 November 2008

Amazonas Digital: um passo na integração do Amazonas com o mundo

Nos encontramos em pleno século XXI, com turismo no espaço, celulares por todos os lados, imenso conhecimento nas pontas dos dedos, avanços de energia renovável, nanotecnologia em grande escala, terapias genéticas e células tronco, dentre os muitos sonhos que há vinte anos atrás pareciam impensáveis. Entretanto, a triste realidade é que, com a notável exceção dos celulares, estes enormes avanços estão restritos às nações mais desenvolvidas ou a apenas uma pequena parcela de países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil.

O Amazonas em particular tem sofrido no que diz respeito a acesso à internet.  O preço do acesso no estado é alto em relação a outros estados ou países, com qualidade inferior, prejudicando assim nossas empresas e cidadãos no que diz respeito a informação e comunicação.  O problema é ainda mais crítico no interior. 

O primeiro projeto confiado à SEPLAN no segundo mandato estadual foi o Amazonas Digital, dada a criticidade da situação.  A meta é clara, dar cobertura de internet sem fio livre para todo o interior do Amazonas.  A empresa selecionada, após concorrência, Hughes, tem a meta inicial de entregar 15 municípios em 2009, onde o perímetro urbano deve estar coberto a ponto de qualquer pessoa com conexão wi-fi (comum em laptops) poderá acessar a internet livremente.  O projeto contempla também a informatização das principais entidades do Governo Estadual e Municipal. 

Os benefícios do acesso ao conhecimento são amplos, dos quais listo alguns: compra de passagens pela internet; consulta e comparação de preços de todos os tipos de bens, desde carros a eletrodomésticos a alimentos; provisão de serviços de governo, desde consulta a legislação a inscrição de empresas na JUCEA, a submissão do imposto de renda anual, consulta de CPF e CNPJ, consulta de Serasa ou SPC para comerciantes, requerimento de boletim de ocorrência policial, dentre outros; possível diploma universitário ou de pós-graduação com aulas a distância apoiadas por internet; utilização de comunicação de voz pela internet; obtenção de notícia e conhecimento em tópicos específicos não disponíveis de outra forma; dentre muitos outros.

Há poucas certezas no mundo.  Uma delas é a certeza de que a prosperidade social é em grande parte dependente do volume de informatização e informação disponível à sociedade.  Gostaria de tomar a oportunidade de sugerir não só aos futuros internautas do interior mas também aos presentes da capital algumas ações adicionais que você como cidadão pode tomar para inserir o Amazonas no futuro próspero que sonhamos:

Ø      Leia notícias na internet, desde os veículos locais aos nacionais e internacionais.  CNN (EUA), BBC (Inglaterra) e Xinua (China) têm versões em português.

Ø      Aprenda inglês, espanhol ou chinês, e encoraje seus filhos e netos também.

Ø      Junte-se às forças armadas de jornalistas cidadãos do mundo.  Responda matérias sobre a Amazônia, reporte notícias de sua comunidade ou cidade com textos, podcast ou vídeos nos site ireport.com da CNN, no YouTube.com, dentre muitos outros.  Crie seu blog.

Ø      Junte-se a associações internacionais.  Médicos Sem Fronteiras para atender crianças doentes na Nigéria, Transparencia Internacional em busca de governos melhores, Anistia Internacional atrás de direitos humanos globais, Fundação Amazonas Sustentável e WWF em busca de conservação ambiental, etc.

Ø      Venda seus serviços pela internet.  Programadores no rentacoder.com, tradutores, escritores, desenhistas e muitos outros no elance.com

Ø      Viaje para bem longe – aproveite os novos vôos, a China, Rússia, Israel e Emirados Árabes estão a uma conexão de Manaus.  Traga experiências e idéias de volta.  Vá a feiras e congressos nacionais e internacionais.

24 October 2008

Piraiba - The Largest Amazon Catfish

In the Amazon River, there are legends of goliath catfish that grow to over 10 feet long and reach nearly 600 pounds. These giants are the catfish that belong to the Brachyplatystoma genus. This genus has 7 of the largest fish in the world, including B. filamentosum. This fish is so large that locals call the juvenile fish (those weighing under 200 pounds) filhote. Once they reach 200 pounds, locals call them Piraiba. The Piraiba is the largest catfish in this genus, and is notorious for its voracious eating and solitary lifestyle habits.

When they’re juveniles, Piraiba are light to dark grey with small spots on their dorsal and lateral sides. As they get older, Piraiba turn dark grey on the top and light grey on the bottom. This coloration aids in camouflaging their massive bodies as they hunt for food 100-130 feet below the surface of the Amazon River.

Piraiba have an appetite to match their massive bodies. Fishermen who’ve caught these massive giants have found small monkeys, birds, cats and even other catfish in the stomachs of these giants. While they don’t hunt for monkeys or birds, Piraibas have no problem scavenging on already deceased animals that have fallen into the Amazon. Some legends even claim that humans have been found in the stomachs of these enormous fish.

Piraibas not only play an important role as scavenger in the Amazon. They also play an important role as food for locals. Fishermen and anglers who hunt these large fish will drop many lines into the Amazon, weighted down by 2-5 pound bait and rocks. Once the line begins to move, experienced fishermen draw the fish into shallow water. At that point, the fishermen have no option but to jump into the water and literally wrestle the Piraibas to ground. For

 inexperienced fishermen this can be a very dangerous sport to learn—the Piraibas are so powerful that they can drown and even drag the wrestling fishermen to the bottom of the Amazon. A successful catch is well worth it though, as a single Piraiba can contain hundreds of pounds of food for locals and export.

Like other catfish, the Piraiba are active at night between midnight and around 6 a.m. Piraiba catfish look for food as deep as 130 feet under the surface of the Amazon River. They will scavenge and also hunt for smaller fish such as Peacock Bass and Piranha. Piraiba don’t worry about the slicing teeth of the Piranha, even though they inhabit the same waters where hundreds of Piranha school. These giants have extremely thick tough leathery skin that resists such attacks. By the time they are 4-5 feet in length, Piraibas can move freely in the deepest Amazon waters without fear of predators.

Piraibas remain solitary until they are ready to mate somewhere between 2-3 years old. When a male is ready to mate, he will find another female Piraiba and swim alongside her until she releases eggs. The male will inseminate hundreds of eggs, and then chase the female from the

 eggs. The male aerates the eggs and keeps the female away, while the female chases predators away from a distance. Within a week, the fry hatch and are fed by the male stirring up detritus on the Amazon floor. The female remains a guardian during this period.

The fry remain at the nest for up to several weeks, adventuring to find small invertebrates and ghost shrimp to eat. They grow fairly quickly, and by 6-8 months they begin to take on sexual distinction and become solitary. This is the most vulnerable period for the young Piraiba—they are mature enough to hunt on their own, but their size makes them very vulnerable to larger fish, giant otters and predatory birds. The Piraiba’s body does offer some protection against such predators that would eat them whole—a characteristic sharp collection of spines on their dorsal that deters predation.

With such a large potential size and healthy appetite, Piraibas are definitely not suitable for most aquarium owners. The best spot to keep a Piraiba is a large local aquarium that can support at least a 2000 gallon tank. These fish can get up to 400 pounds, and with this much body weight, this fish is one of the most expensive to feed and maintain.

Piraiba are one of the most impressive catfish in the world. They dominate the Amazon with their sheer size, and offer fishermen an exciting, challenging catch. They also play a crucial role in scavenging the bottom of the Amazon as the “clean-up crew” of the largest river system on Earth.

Photos copyright: http://www.catfishheaven.net/flavio.html and Wikipedia.org

21 October 2008

Market Report 2007 of Amazon rainforest natural products by Ilko Minev

Rosewood Oil

Production of Rosewood Oil in 2007 improved and was well above the previous year. In all, between the Organic and Regular kinds, about 25 tons of Rosewood Oil were produced. The apparent reason for such increase is that part of the 2006 production was delayed because of the exceptionally low level of the waters in the Amazon basin in the second semester, which affected logistics in much of the producing region. As a result the actual production was delayed to 2007. Again the organic product was responsible for most of the growth due to the increasing environmental concerns. The year was marked by strong valuation of the Real against the Dollar and in December 2007 the FOB Manaus price for organic oil reached US$ 95 per kilo. As the trend continues it is likely that the mark of US$100/kilo FOB will be surpassed in early 2008 (One USD is now worth 1.90 BRL).  The price in Euro was much more stable and therefore customers from Europe preferred quotations in Euro.  

There was one important fact that happened in 2007: the introduction to the market of the first Rosewood Oil made out of leaves and green branches from the new plantations. The initial production was small, only 2 drums, but we hope to be able to offer more in the following years. As the federal and state environmental authorities are exercising stronger and stricter controls over the activity, the producers are increasing the managed planted areas. This is a slow, but promising process that is likely to guarantee the sustainability of Rosewood Oil production in the future. In 2008 Organic Rosewood Oil will most likely continue its growth, while the regular product will continue its decline. With luck the total production might reach 25 tons, but most likely it will be somewhat lower.  In addition to usual production, we expect to be able to offer 3 drums of oil extracted from the leafs and branches alone in 2008.

 

Copaiba balsam

The year 2007 was not a good year for Copaiba Balsam. The domestic market was somewhat slower then in the previous year, while the export market was really sluggish. Because of the valuation of the Real against the Dollar the FOB Manaus price increased to US11.00/kilo. At this price level it was impossible to find customers. Sellers sacrificed profit margins to close the few deals that were completed. Our expectation is that 2008 will also be a difficult year, as substitutes to Copaiba gain while the exchange rate is unfavorable. All depends on the exchange rate.

 

Tonka Beans

The crop of Tonka Beans was again relatively small. The price at the end of the year was about 7.50 Euros per kilo. Because of the very scarce availability and low demand in the last years we are no longer giving much emphasis on this business.

 

 

Brazil and Amazonas Outlook 2007

 

The Brazilian economy went through another good (not great) year in 2007, posting almost 5% of GDP growth.  Much of this growth is attributable to increases in the volume of credit in the economy, which reached 30% of GDP during the year, and exports which have soared due to commodity prices (mainly soy, sugar, coffee and metals).  

The Amazonas state economy has been doing outstandingly, with annual growth over 10% for the third year in a row.  It is mainly due to growth in two-wheel vehicles production in the Manaus industrial district and growth in services.  Meanwhile, deforestation rates in Amazonas have lowered to less than 700 sq.km, from over 1500 sq.km before 2003.  

 

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20 October 2008

Piramboia - Evolutionary link between air and water breathers in the Amazon


There’s a very unusual fish in the Amazon that could be the closest ancestor to the first air-breathing life forms on Earth. The South American lungfish, also known as the Piramboia (Lepidosiren paradoxa), is the one obligate air breather that can actually survive outside of water due to its efficient oxygen breathing system. This wonderful fish resembles a mix between a ghost fish and an eel. It has very dark grey to black skin that has a very leathery appearance, tiny eyes like an eel, and its body spreads out in its anterior portion. It can reach over 3 feet long.

The Piramboia seeks slow moving waters and it can usually be seen sitting on the bottom of the shallow ridges around the Amazon River. It rises occasionally to suck in air, only to return to its comfortable nest on the floor of the river. The Piramboia will hunt for insects, snails, berries and shrimp using suction feeding. Unlike other fish in the Amazon, the lungfish can survive on meat and vegetable matter, making it one of the few omnivorous fish.

 The dry season is not a problem for most Piramboia. While other fish struggle with the lack of oxygen in the Amazon River, the Piramboia will burrow into the soft mud at the bottom of the Amazon and wait out the rest of the season. Their metabolism slows and they don’t leave their burrow. The hole can go underground a few inches, and can dry out completely before the rainy season starts again in the Amazon. The Piramboia breathes in air during this dry time, and most survive in their burrows safe from predators. The biggest danger to these novel fish are giant river otters, which know how to dig for them during the dry season.

During the rainy season, the Piramboia will begin mating as the water rises and fresh water flows into the Amazon area. Male and female Piramboia create a burrow-like nest in the muddy bottom. They lay quite a few eggs, and the male guards them voraciously. Upon hatching the fry look like tadpoles and breathe through gill-like structures. The male also develops extra capillaries in his pectoral fins, and will fan the fry to provide more oxygen and remove carbon dioxide. At around 8 weeks the fry develop their lungs and are able to breathe air like their parents.

At first, young lungfish eat mosquito larvae, snails and algae. As they mature, they become adept at catching shrimp and even small fish such as tetras. Whether or not the juvenile lungfish survive to their first dry season is a big factor in whether or not they survive to adulthood. After they have survived one dry season, most of them will grow to full size.

The Piramboia is the only species of fish in the Amazon to possess a true lung structure that allows them to breathe air without the aid of water. The only time the Piramboia don’t breath through their lungs is when they are breeding. At this stage in their lives, they rely on extra capillaries in their pectoral region and their gills.

Unfortunately, much remains unknown about this rare, unique fish. Breeding in captivity has never been accomplished, and there are quite a few people who keep aquarium specimens.

Lungfish are escape artists. If a lungfish is in an aquarium, it will try to escape and if it does, it will survive and find its way around the house and hide.

Locals don’t catch lungfish for food, and most encounters with these oddballs are during the dry seasons. Local children and pets often find the burrows of these fish and attempt to dig them up. Since the fish are hibernating, they are vulnerable. Otters can usually find their burrows as well, and will help themselves to an easy meal if they can dig the lungfish from its nest.

Because of their special lungs, Piramboia are high interest specimens for evolutionary biologists, as they may hold the unknown evolutionary link between fish and air-breathers. Scientists are still studying this fish to discover what genetic features have survived and evolved into the mammals of today.

Photos copyright: Fishbase.org and Wikipedia.org


19 October 2008

Cuiu-Cuiu - Pre-historic fish of the Amazon


In the Amazon, there are some truly enormous fish that can intimidate even the most experienced fisherman or aquarist. The Oxydoras niger, or Cuiu-Cuiu, is a huge black-brown catfish that is perhaps the most pre-historic looking of Amazon fish. This catfish is also called a “black doradid”and remains one of the favorite large cats of aquarium keepers.

 The Cuiu-Cuiu grows up to 3 feet long (though 2 feet is average) and can weigh over 40 pounds. This catfish has a thick, leathery, black skin with sharp thorns jutting from the sides of their bodies, called scutes. This fish looks like a moving armored vehicle when it sifts through the bottom of the Amazon, looking for snails and insects to feast on. The Cuiu-Cuiu’s diet is mostly insects, snails, earthworms and berries from overhanging trees.

The Cuiu-Cuiu prefers soft water and has some of the best tolerance to temperature change in the Amazon. The Cuiu-Cuiu can tolerate temperatures as low as 10 degrees celsius, and as high as 30. As a result of its inherent hardiness, this catfish can live up to well over 10 years, which is substantial in the Amazon. The Cuiu-Cuiu’s tolerance to such temperatures also makes it a perfect survivor during the dry season when water temperatures soar as they drop very low under the hot equatorial sun.

The Cuiu-Cuiu is another Amazonian fish that takes on a yearly migration in the name of finding a mate and spawning. Like the Jaraqui, the Cuiu-Cuiu swims many miles to reach selected spawning sites where many Cuiu-Cuiu gather. The actual breeding process is still largely unknown in this species, but if this catfish behaves like other catfish, then the Cuiu-Cuiu probably makes a nest where the male guards the eggs until the fry are old enough to venture out on their own. No breeding has occurred in captivity and it’s very hard to tell the male from female apart.

Locals only rarely use this catfish as part of the diet. Not much of this fish is exported, so the Cuiu-Cuiu’s numbers aren’t threatened by over-fishing. This catfish is susceptible to many nematode parasites, which makes it dangerous to eat without proper cooking.

This catfish is so hardy that small populations of it have been found as far north as Florida. Of course, these populations came from former aquarium inhabitants that were set free. In larger numbers these catfish can compete with natural wildlife for resources and harm the delicate biological cycle of Florida’s wetlands.

 In fish stores, the Cuiu-Cuiu is sold as a 2-4 inch specimen that looks almost like a plecostomus. Beginning fish keepers don’t understand the immense size this fish can reach, as it often outgrows its tank.  Having too small a tank is dangerous because this strong cat can literally burst the sides of a tank that’s not built to withstand its swimming or darting.

Another interesting feature of this catfish is that it will “talk” to other catfish. The Cuiu-Cuiu will emit a low croaking sound. At night, locals can often hear this fish emitting this noise which is easily mistaken for a toad. This fish also makes this noise when it feels threatened or when it’s being handled. The Cuiu-Cuiu can also grind its dorsal fin against the socket where it connects to its body, producing a very distinctive grinding sound.

Photos copyright: Fishing-khaolak.com and Seriouslyfish.com

OS DESERDADOS DE TORDESILHAS

Artigo de Samuel Benchimol de Janeiro de 1998

Que bom seria que todos nós que nascemos e vivemos no mediterrâneo e nos confins centrais e ocidentais da Amazônia - nós: araguaianos, xingüanos, tapajônios, madeirenses, guaporenses, puruseiros, acreanos, juruaenses, javarinos, içá-putumaienses, japurá-caquetanos, rionegrinos, riobranquenses, nhamundaenses, trombetanos, parú-jarieiros e também os solimonos, os amazonaenses do Alto, do Médio e os paraenses do Baixo, todos pudéssemos gozar as delícias, amenidades e favores do viver nas praias de Soure, Salinas, Atalaia, Calhau, Iracema, Praia do Futuro, Boa Viagem, Porto de Galinhas, Itapoã, Amaralina, Jatiúca, Guarapari, Saquarema, Cabo Fio, Copacabana, Ipanema, Leblon, Restinga da Marambaia, Angra dos Reis, Guarujá, Camboriú e São Pedro da Aldeia. 

Ficaríamos todos “caranguejando na costa”, como nos disse o cronista colonial Gabriel Soares de Souza, bebendo açaí com tapioca, comendo siri, camarão e lagosta ao molho de côco, temperado com vatapá à baiana, dentando rapadura com carne de sol, ou saboreando a gostosura do feijão preto à carioca, com batida de limão e caipirinha, comendo pizza, espaguete e ravioli na Avenida Paulista, ou desfrutando do chucrute paranaense, do camarão barriga-verde e sorvendo o afrodisíaco chimarrão gaúcho. 

O Padre Antônio Vieira, melhor do que ninguém, nos traduziu a delícia desse viver paradisíaco, dizendo: Vida do Pará, vida de descanso, comer de arremesso e dormir de balanço. Ai que saudades que temos da aurora da nossa vida, no tempo da Capitulação da Partição do Mar Oceano, conhecido vulgarmente como Tratado de Tordesilhas, assinado por Fernão de Aragão e D. João II, em 7 de junho de 1494, consagrado pelo Papa Júlio II na Bula Ea Quae de 1506, que criou a bendita linha ou raia longitudinal de 370 léguas a oeste da Ilha de Cabo Verde. Essa linha passava pelo mediterrâneo de 49º, na ponta da Ilha de Marajó, seguia o interflúvio do Tocantins e Araguaia, a ilha da fantasia da atual Brasília, o Triângulo Mineiro, São Paulo à altura de Bauru, passando em cima de Curitiba e Paranaguá e terminando à altura de Laguna de Santa Catarina. Tudo que ficasse a leste dessa linha seria português e a oeste espanhol. 

Antes dessa bendita raia, a costa do pau-brasil não era lusitana, pois os castelhanos, espertos e sabidos, conseguiram um ano antes, em 1493, obter do seu patrício aragonês, o Papa Alexandre VI, um Bórgia, que a partilha do mar Oceano fosse feita por uma linha que corria a uma distância de cem léguas para o Ocidente e Meio-Dia, a partir das ilhas chamadas de Açores e Cabo Verde. Esse Diploma Papal, assinado em 4 de maio de 1493, recebeu o pomposo nome de Bula Inter-Caetera, que doou todas as terras do novo mundo aos Reis Fernando de Aragão e Isabel de Castela, deixando o pobre e sereníssimo D. João II de Portugal a ver navios.

Por essa bula caberia a Portugal o meio do Oceano Atlântico e as Áfricas, e à Espanha o mundo encantado das Américas e todas as terras de Santa Cruz, onde vicejava o cobiçado pau-brasil das tintas e vernizes. O sereníssimo rei lusitano reagiu e o Papa revogou a Bula e ampliou o limite das cem léguas para trezentas e setenta léguas. E, assim, foi selado o Pacto das Tordesilhas em 1494, que criou a Pax Hispânica e a Pax Lusitana durante quase três séculos, até que fosse revogado pelo Tratado de Madrid de 1750. 

Tempos bons foram aqueles das Tordesilhas, quando havia um proto-brasil pequeno - com letra b minúscula - curtinho, longo porém estreito, costaneiro mas sem latifúndio de sertão a dentro, pois a inexorável linha geodésica de 1494 limitava o fundo do nosso quintal. Seria bem fácil para o nosso futuro que esse brasil jamais fosse mudado ou expandido para o brutal sertão das caatingas, para o cerrado do Brasil Central e para as inóspitas selvas da Amazônia, onde o homem, como disse Euclides da Cunha, é um“ser intruso e impertinente e que chegou sem ser chamado nem querido”. 

A teimosia e ambição dos proto-paraenses e amazonenses, muito mais do que os bandeirantes paulistas, caçadores de bugres e sonhadores de esmeraldas, fez com que Pedro Teixeira, já em 1637, usasse a bota de sete léguas, perdão, as canoas e igarités dos sete índios remeiros, insubmissos porém bons de jacumã e se largasse rio acima para os confins do Rio Napo até alcançar a cordilheira andina de Quito, a 2.600 metros de altitude, exatamente onde está situada a vila de Mitad del Mondo. A partir daí, a outra metade foi ficando com os proto-brasileiros, lusíndios, mais índios que lusos. 

O estirão da distância e a lógica do latifúndio geopolítico sem fim se apossou da mente do luso-amazônida de então que, com a sua ambição de mais espaço, mais rio, mais fim de mundo na vã esperança de encontrar o El-Dorado e o Rio das Minas, que não chegavam nunca. E como não chegavam tome tropas de resgate, conquistas imperiais, expansão de fronteiras, desrespeitando a tão querida e incômoda linha de Tordesilhas. 

Nesse gesto está a origem dos nossos males e atribulações. À medida que o homem se internava ao arrepio da corrente, ao sabor dos ventos e das batidas dos remadores dos caboclos suburucús, o país foi se afundando neste Estirão do Equador, para chegar a Cucuí, Remate dos Males, Apaporis, Brasiléa, Fortaleza do Abunã, Guajará-Mirim, Príncipe da Beira, Serra de Moa, Tabatinga e, assim, acabamos por parar às margens do Javari, nos confins do sertão ocidental. Por pouco não demos o salto ao Pacífico, pois para isso já tínhamos uma retaguarda de 6.000 cristãos novos, “peruleiros” portugueses, vivendo clandestinamente em Lima, em 1614, quando essa cidade tinha apenas 11.500 fidalgos espanhóis. Qualquer eleição se houvesse, naquela altura, nos daria a Coroa do Vice-Reinado do Peru, realizando o sonho do salto dos Andes, para tomar conta de toda a Pan-Amazônia, cis e transandina. Graças a Deus que os portugueses tiveram juízo e recuaram a sua imperial intenção para as margens do Javari. 

Não contente em perseguir o estirão do leste-oeste da calha central, os lusos-paraenses e amazonenses foram se dispersando, subindo e aprisionando a indiada insubmissa e revolta, na ponta da calha norte até chegar ao escudo guiano. Foram ao Oiapoque, Tumucumaque, Roraima, Pacaraima, Pico da Neblina, Tiquié, Cabeça do Cachorro, deslocando o setentrião para além da linha do Equador. 

Tudo isto ao arrepio da bem amada Linha de Tordesilhas que os espanhóis propositadamente esqueceram, para não se meter em encrenca e perder o fio da meada. Estavam felizes com as minas de Potosi, o ouro e a prata dos Quechuas, Incas e Chibchas. Isto lhes bastava e assim o fizeram, deixando que os grupos luso-amazônicos tomassem conta da Bacia, de leste a oeste, de norte a sul. 

A invasão portuguesa nos domínios castelhanos foi feita às claras e nas barbas dos Reis da Espanha, que fizeram vista grossa para tanta gulodice de terras, matas e rios. Eles sabiam o que queriam e não desejavam abraçar o mundo com as pernas. 

O português-amazônico não. Guloso, afoito, imperial, andarilho, tropeiro, subiu a correnteza dos rios, transpôs as cachoeiras, conquistou espaços e tribos de língua travada, violaram a identidade indígena pela tupinização e lusitanização dos nomes de bichos, árvores, rios e terras do sem fim. Não havia o que temer. Os milicos e sargentos-mor de então, ampliaram o domínio montando 40 fortes, fortins, fortalezas com os seus canhões-espantalhos, que nem chegaram a dar um tiro ou jogar um petardo em cima de um soldado inimigo que nunca apareceu. Franceses, ingleses, holandeses, espanhóis espiavam a afoiteza do luso-amazônida para ver o que ia dar, com tanta ambição e conquista continental. Paulista aqui não chegou, a não ser o pobre, cansado e escoteiro “bandeirante” Antônio Raposo Tavares, que chegou em Belém em 1651, descendo os Andes, sozinho, sem dinheiro e sem eira e nem beira. 

A conquista amazônica, ao contrário do que muitos brasileiros pensam, não foi obra de paulistas, nem de bandeirantes como, ainda hoje, se ensina nas escolas, por obra e graça do historiador Varhagen. Esse mundo continental amazônico foi uma peripécia dos proto-amazônidas do Grão-Pará e da Capitania de São José do Rio Negro, que resolveram aderir às bandeiras imperiais de Pedro Teixeira, Francisco Xavier de Mendonça Furtado de mais de mil acompanhantes: índios remeiros, colonos, padres, missionários, cristãos novos, matemáticos, físicos, geógrafos, construtores de fortes, que iam plantando o brasão português e erigindo fortins, aldeias, missões, vilas e povoados.  

Havia, naquele tempo, tartaruga e farinha para todos. Arabú e mujanguê para os gulosos e banha de quelônios para iluminar os lares e bronzear as peles dos brancos e caraíbas. 

O Estado do Brasil, com sede em Salvador, fazia passar o norte em brancas nuvens. Havia outros assuntos mais sérios e urgentes para tratar acima do rio São Francisco, no rio Parnaíba, na Baia de Guanabara, na Serra do Mar, no Pátio do Colégio de São Paulo, na Serra da Mantiqueira e na fronteira sul dos farrapos, dos pampas e dos tchês. Minas com os seus “uais”, pouco ligava para a sorte da fronteira norte, rumo da indiada bugre, sem fé, sem rei e sem lei, como diziam os antigos missionários de pés descalços. 

Por isso, foi criado o novo Estado do Grão-Pará e Maranhão, ou Maranhão e Grão-Pará, em 1621, dependendo da ótica paraense dos comedores de açaí ou dos pescadores de camarão e caranguejo da baixada de São José de Ribamar do Maranhão. Este Estado, uma espécie de Vice-Reinado da Amazônia, não estava subordinado à Bahia de Todos os Santos e de Quase Todos os Pecados. Tinha vida própria. Falava grosso e os seus governadores gerais trocavam correspondência direta com El-Rei e o Ministério Ultramarino de Lisboa. A justificativa era de que os ventos que enfunavam e varriam a boca do grande rio, conduziam os veleiros do norte direto à Lisboa e, por isso não havia porque se curvar ao beija-mão dos governadores gerais do Brasil com sede em São Salvador.  

Os proto-baianos, naquele tempo, estavam mais preocupados em receber os negro-escravos e aprender com eles a fazer o vatapá, o carurú, o acarajé, deixando de lado e em paz os bebedores gulosos de tacacá, goma e tucupi, e viciados em açaí, bacaba e farinha de tapioca e nas lautas tartarugadas e mixiradas de peixe-boi do povo de São José do Rio Negro. Por pouco não foram criados dois Estados Independentes, à semelhança dos povos castelhanos com os seus vice-reinados do Peru, Granada e La Plata, a despeito do esforço unificador de Bolívar, quando chegou a hora do grito de Independência ou Morte nas fronteiras transandinas. 

A situação ficou insustentável do ponto de vista político e de soberania do mundo bi-polar luso-hispânico. Afinal, ambos eram valorosos e machões na conquista. Os lusos levaram a vantagem, pois ocupando a jusante do rio, no delta-estuário, tinham a longa correnteza, a montaria índia e os caboclos bons de remo, de vela, de corda e de sirga. Por isso foram muito além da Taprobana Ilha, que nos fala Camões e, assim, romperam o Tratado de Tordesilhas, com a ajuda do jurista daquele tempo, Alexandre de Gusmão à frente da assessoria diplomática.  

Os espanhóis, cansados de matar tanto índio e de encher as suas arcas de ouro e prata concordaram, enfim, em revogar o benemérito Tratado de Tordesilhas, de 1494, e assinar o maldito Tratado de Madrid de 1750, que legalizou o afastamento da linha do meridiano de 49º, que passava pela Ilha de Marajó e pelo rio Guamá para bem longe, a perder de vista, nas margens do rio Javari, nos confins ocidentais da colônia, ao longo da nova longitude de 74º, com um ganho de 25º. Como cada grau de longitude corresponde, na altura da linha do Equador, a 1/360 de 40.074 km da circunferência terrestre, ou seja, 111 km por grau de longitude, é fácil concluir que o ganho da fronteira foi de 2.665 km, a oeste da linha marajoara de 49º. 

Se a conquista desse mundo de terras, florestas e rios foi árdua e longa, o Tratado de Madrid foi uma sopa e um mingau para os portugueses, pois o jurista Alexandre de Gusmão inventou a fórmula do uti-possidetis pelo qual “cada qual fica com aquilo que já possui” - uma espécie de usucapião político, que legitimou a posse mansa e pacífica, independente de qualquer título, ou apoio de fatos e documentos para justificar a soberania de jure. Aliás, nem tanto assim. Porque os portugueses para conseguir anular o benemérito Tratado de Tordesilhas tiveram que ceder aos castelhanos as jóias da coroa portuguesa: as Ilhas Filipinas, a Colônia do Sacramento (hoje Uruguai) e parte dos Sete Povos das Missões. Trocaram terras valiosas e cobiçadas do sul pelos latifúndios do zé ninguém no norte lontano. Bom negócio para Castela e péssima barganha para Portugal. E um desastre para os futuros amazônidas. 

Isto se deu em 1750 com o Tratado de Madrid, cujo preâmbulo é um primor de legalês post-medieval: 

    Visto e examinados estas razões pelos dois sereníssimos monarcas, com as réplicas que se fazem de uma e outra parte e reconhecendo as dificuldades e dúvidas ... se se houvesse de julgar pelo meio da demarcação, e por outros embaraços quase impossíveis ... resolvem por termo às disputas passadas e futuras. esquecer-se e não usar de todas as ações e direitos que possam pertencer-lhes, em virtude do Tratado de Tordesilhas, Lisboa, Utrecht e da Escritura de Saragossa ... que possam influir na decisão dos seus domínios por linha  meridiana: e querem que daqui por diante não se trate mais delas ... e que cada parte há de ficar com o que atualmente possui. 

Venceu o jurista baiano Alexandre de Gusmão, que assim criou o direito do Uti Possidetis, Ita Possideatis, acabando de vez com a velha pendenga luso-espanhola, abrogando o anacrônico Tratado de 1494, que virou farrapo de papel com a conquista portuguesa de quase todo o rio Amazonas (Capistrano de Abreu costumava dizer: o Amazonas foi uma descoberta espanhola e uma conquista portuguesa, enquanto o rio da Prata foi uma descoberta portuguesa e uma conquista espanhola). Houve, assim, uma troca de sinais, ficando os portugueses com a Prebenda do norte e os espanhóis com a Buena Dicha da fronteira sul e mais o bingo das Filipinas de sobra.  

Finalmente o Tratado de Madrid de 1750 foi rediscutido pelo Tratado de El Pardo de 1761, para ser finalmente ratificado pelo Tratado de Santo Idelfonso de 1777.  

Depois, para completar o circuito da fronteira, a diplomacia luso-brasileira conseguiu extrair e assinar o Tratado de Badajós de 1801, o de Amiens de 1802 e o de 1815 e, para coroar o processo o Tratado de Petrópolis de 1903, que reincorporou o Acre ao Brasil, após a Revolução gaúcha-amazonenses-cearense do caudilho Plácido de Castro, com o apoio dos Coronéis de Barranco e dos seringueiros do Purús e Juruá e do Governo do Estado do Amazonas ao tempo de Silvério Nery. Dinheiro do contribuinte amazonense, ganho durante o ciclo da  borracha, serviu para financiar a revolução do Acre. Mais uma entre tantas outras renúncias fiscais que o povo amazonense concedeu ao país para ampliar, ainda mais, as nossas fronteiras do sudoeste amazônico. Em troca nos foi subtraído o Território do Acre em 1904, por lei federal, sem prévia nem justa indenização.

Rui Barbosa foi nosso advogado e defendeu o povo amazonense nos Tribunais, com vigor e muito estilo, conforme deixou escrito no seu famoso livro O Direito do Amazonas ao Acre. Durante quarenta anos o Acre encheu as burras do Tesouro Nacional com libras e dólares, sem nenhuma contrapartida ou indenização, até que Getúlio Vargas, durante o seu reinado, procurou corrigir esse erro com alguns pífios contos de réis, pagos ao Governador Álvaro Maia, para saldar o pagamento dos funcionários públicos atrasados. 

Essa nova conquista na banda austral foi o resultado do rush cearense nos meados do século passado, durante o ciclo da hévea, que ocupou a calha sul da Amazônia, do Xingú, Tapajós, Madeira, Purús, Juruá e Javari, abandonando a calha norte do rio Negro dos velhos tempos coloniais, pois o meridião amazônico era o habitat natural da melhor borracha fina do mundo, que bateu asas e voou para as selvas da Índia, Bornéu, Java, Birmânia, Sião, Malásia e Indochina. 

Com esta última conquista os amazônidas deram um passo maior que a perna, na medida em que iam fazendo a expansão leste-oeste e marchando para o centro-sul. Ambas dispersaram o nosso povo para o infinito das lonjuras, que não se mede em nós, léguas ou milhas, mas em anos-luz de terras e selvas latifoliadas, perenifólias, sempre-verdes, heterogêneas, higrófilas, foto-sintéticas, gulosas de carbono e futuras redentoras da humanidade como último santuário da biodiversidade da floresta e dos rios, e da desumanidade dos pobres amazônidas.  

Apesar do Brasil grande ter dado um passo maior que a perna, em 1750, há muito deveríamos ter promovido uma reorganização do espaço político, com a criação de novos Estados e Territórios, assim como se fez durante o período colonial quando a Amazônia chegou a ter dez capitanias de juro, herdade e del Rey. Na época da independência elas foram reduzidas para apenas quatro Províncias do Império: Pará, Maranhão, Goiás e Mato Grosso confirmando, assim, o desejo de estimular o latifúndio geopolítico e as grandes sesmarias eleitoreiras do extremo norte e oeste. 

É de se recordar que o Brasil Tordesilhano era muito mais democrático e modesto. Conforme consta da Carta de D. João III a Martim Afonso de Sousa, El-Rey “determinou de mandar demarcar, de Pernambuco até o rio da Prata, cinqüenta léguas de costa a cada Capitania ... e para vós mandei aportar cem léguas e para Pero Lopes, vosso irmão, cinqüenta nos melhores limites dessa costa ... e mandei doar a algumas pessoas que requeiram Capitanias de cinqüenta léguas cada um”. Era já, naquele tempo, a reforma agrária em ação, delimitando o espaço geopolítico para um Brasil menos latifundiário, menos injusto e mais solidário. Por este motivo os estados brasileiros do litoral são todos pequenos e mais viáveis de serem governados e desenvolvidos. 

O Brasil do Uti-Possidetis de 1750 e de Além-Depois inaugurou, em contraste, a megalomania política e administrativa dos Grãos: Grão-Pará, Amazonas e Rio Negro, Pan Amazônia, Amazônia Legal com mais da metade do território pátrio dividido e distribuído entre as oligarquias e os grotões da política dos currais eleitorais. Por isto me bato há cerca de quarenta anos, propondo a reorganização do espaço político brasileiro do setentrião e do centro-oeste, através de depoimentos, comissões, palestras e inquéritos do Congresso Nacional, livros e ensaios, dando continuidade à política de Getúlio Vargas de 1942, que criou os novos territórios de Guaporé, Rio Branco e Amapá.  

A maior parte dos brasileiros era a favor e nós amazonenses contra, quando propus, em 1966, a criação de 24 Estados e Territórios Federais na Amazônia, dando continuidade aos projetos de Antônio Carlos de 1823, Varhagen de 1849, Fausto de Souza de 1880, Segadas Viana de 1933, Teixeira de Freitas de 1933/1948, Backeuser de 1933, Sud Mennucci, Ari Guimarães, Juarez Távora, Teixeira Guerra, Frederico Rondon e muitos outros. Hoje, os amazônidas são a favor e o resto dos brasileiros são contra, porque faria deslocar a maioria do poder do Senado Federal para os novos Estados do setentrião e do centro-oeste. Seria um golpe de morte nos conchavos e nas ante-câmaras do poder, criando uma nova federação mais representativa, mais justa e de conformidade com a dimensão geopolítica do território nacional. 

Hoje repito o que disse no Congresso Nacional em 1966: 

    O processo de reorganização do espaço político brasileiro e amazônico é uma exigência de uma geopolítica de libertação, integração e desenvolvimento, pois não creio que o crescimento econômico centralizado e limitado pelas escassas e hiper-dimensionadas unidades federadas latifundiárias - um resíduo histórico anacrônico e extemporâneo fundado em um passado colonial bem distante - possa ainda servir de moldura e modelo. Pelo contrário, inibe, corta o passo, desestimula, aflige, limita a expansão econômica, social e demográfica ... introduz ineficácia, perdas de rentabilidade, encarece os custos visíveis e invisíveis, .... e oprime as populações interioranas submetidas ao oligopólio político centralizado das regiões metropolitanas que delas retiram recursos e receitas, agravando o problema do êxodo e da expulsão rural. 

Como pouco se fez, desde então, nesse sentido - apenas Tocantins e Mato Grosso - sofremos hoje as conseqüências dessa parada no tempo e no espaço, permitindo que se universalizasse e planetarizasse a Amazônia, pois quanto menor a ação política antrópica, melhor será a sua preservação como patrimônio ecológico da humanidade.  

Por isso estamos sendo, hoje, destituídos do nosso direito de uti-possidetis ambiental, de usar e fruir a floresta e os seus recursos hidro-energéticos e minerais, para que o resto da humanidade possa poluir e envenenar, cada vez mais, a atmosfera terrestre, cabendo a nós fornecer, de mão beijada e a título gratuito, sem  royalties, nem dízimos, as benesses desse manto biótico que vale US$ 2.000 por hectare/ano, ou seja, US$ 700 bilhões/ano de dons e serviços, que o resto de mundo se apropria gratuita e indevidamente.  

Não apenas se apropria e surrupia, mas também nos tenta induzir a levar uma vida de bugre manso, como coletores e apanhadores de frutas e seivas das árvores nas reservas extrativas do Céu de Mapiá e tantas outras, onde corre frouxo o ahuasca de Santo Daime, cuja devoção se espalhou pelo Brasil afora, com franquias dessa nova seita nos morros da Mangueira, do Salgueiro e nas favelas do Rio e São Paulo que, assim se protegem do vício maldito desse estupefaciente psicotrópico, elevado à categoria divina de uma nova hagiografia selvática. 

Na medida que os amazônidas foram deixando o litoral, o bom viver da praia, curtindo o sol, as ondas, os crustácios, e se foram internando, durante os séculos da conquista e formando a fronteira do anfiteatro amazônico - do arco guiano ao escudo sul-amazônico - do delta marajoara para os contrafortes cisandinos - os nossos problemas foram se multiplicando, no tempo e no espaço.  

Viver e sobreviver na selva só nos foi possível no tempo dos potes de tartaruga, na época da mixira de peixe-boi, do anil, da canela, da baunilha, do breu, do cacau grosso e fino, da ipeca, ou seja, na época em que a Amazônia era a grande droga do sertão. Os altos preços pagavam qualquer sacrifício da dispersão, da garimpagem florestal, do artesanato do látex, da balata, da sorva, da ucuquirana, do puxuri, das penas de garça, do carajurú, do guaraná em casca, da castanha miúda e graúda, do cipó titica, da carne e do couro de jacaré, dos couros de veado, cotia, queixada, caitetú, capivara, cobra, arariranha, lontra, maracajá, cumarú, jutaicica, tartaruga, tracajá, capitari, tucum, timbó, sorva, piaçaba, catuaba e mirantã. 

Mais ainda, naqueles bons tempos em que não se precisava de Refinaria nem da Eletronorte e da CEAM, para nos vender diesel e energia tipo vagalume, pois a velha lenha, com os seus postos de biomassa, se encarregava de interiorizar a luz e água a custo quase zero, com uma pontualidade britânica para abastecer os vaticanos, chatas e gaiolas. E fazer funcionar as locomóveis que, durante mais de cinqüenta anos, nos deram luz e água, de forma ininterrupta e constante na base da lenha (cujo nome, hoje, mudou para biomassa). Esses postos de lenha criavam postos de trabalho para todo o mundo, para o curumim, a cunhantã, a cunhã e o velho caboclo que ficou de cabeça chata, de tanto carregar pau e acha na cocoruto, no cangote e nos ombros.  

Todo o mundo podia viver, modestamente, no interior, pois não havia naquela altura os alcagüetes e meganhas da polícia ambiental das Ongs, que passaram a controlar a vida e o quotidiano da Amazônia, e que criaram a figura absurda do crime inafiançável para os caçadores de borboleta, os comedores da carne de cotia, pata e tatú e os lenhadores de pau torto e direito. 

A queda das Tordesilhas não foi logo sentida, pois enquanto perdurou o ciclo das drogas e o da borracha, havia pano para todas as mangas: o preço da borracha chegou a  valer, em Londres, em 10/4/1910, um guinéu a libra peso, equivalente hoje a US$ 180,00 o kilo, na Bolsa de Londres, e na Amazônia interior, no toco do seringal se pagava a borracha-fina a 18$000 o kilo, ou seja o equivalente a US$ 99,00 em valores monetários de 1992. Por isso foi fácil abandonar as Tordesilhas e aceitar o triunfo de Madrid (1750) e Santo Ildefonso (1777).

Anos depois, chegaram os ingleses e fizeram um festival de investimentos. Três bilhões de dólares foram aplicados em infra-estruturas em portos, navegação, telégrafos, telefone, bondes, energia, água, esgoto, banco, estradas de ferro, varadouros, seringais, barracões e tapiris dentro do mercado cativo, que cobria todos os altos custos do monopólio silvestre. Esses investimentos viabilizaram a Amazônia interior e mediterrânea e permitiu o povoamento dos rios da banda do Meridião e do Austral. A relação custo/benefício compensava a todos e permitia que os Coronéis de Barranco, seringueiros, aviadores, exportadores, prestadores de serviços públicos e governos estaduais fizessem o seu pé-de-meia. 

Foi um festival de libras esterlinas que enlouqueceu Belém, Manaus e o interior, permitindo aquele gesto quixotesco de Eduardo Ribeiro, ao se proclamar  o herói milagreiro:encontrei Manaus uma aldeia e fiz dela uma cidade moderna. E mais diante, ao encerrar o seu mandato em 1896: as receitas deste Estado do Amazonas são inesgotáveis. 

Esse mundo desabou com a revolução britância da heveicultura no sudoeste asiático. Quando as sementes de seringa foram levadas por Wickman, em 1876, iniciou-se o processo de globalização da selva e da biota amazônica, cuja revolução heveicultora levou mais de trinta anos de experimentação agrícola, tentativas, erros e acertos, até se tornar vitoriosa, a partir de 1911, quando o colapso para o lado de cá começou. Muita gente pensa que os ingleses de Kew’s Garden criaram a heveicultura com um pé nas costas.  

Longe disso: foi o primeiro grande sucesso de domesticação da selva amazônica, que levou meio século de experimentação, enquanto nós ficamos a ver navios, pois a nação que havia usufruído a maior parte das nossas divisas de exportação - equivalente a US$ 2,0 bilhões de valor atual, somente em 1910 - para financiar as combalidas arcas do Tesouro Nacional e da economia sulista, não teve forças para implementar o projeto do Marechal Hermes da Fonseca, em 1913, que iria enfrentar o desafio do sul dos mares da China, do mar Índico, do Golfo de Bengala e do Reino de Sião. O plano foi por águas abaixo por falta de vontade política e de uma reforma administrativa, financeira, fiscal e mental, que até hoje caminham, sem rumo, pelo Corredor do Tempo que une as duas Casas do Congresso. 

Choramos lágrimas de crocodilo e comemos o pão que o diabo amassou durante mais de cinqüenta anos. Foi quanto durou o tempo das vacas magras e macilentas, das espigas secas, miúdas e queimadas, açoitadas pelo vento oriental do sonho do Faraó, interpretado por José do Egito, filho do patriarca Jacob Avinu (Gênesis 41:16 a 54).

Enquanto durou essa depressão e debacle no Celeiro do Mundo o povo debandou do interior. Os Coronéis deixaram os seus seringais; os ingleses , alemães e franceses se retiraram de cena e deixaram sucatear os seus investimentos, pois não valia mais a pena por dinheiro novo em defunto ruim. Foram, se mandaram e nunca mais retornaram.  

Parece que tinham se esquecido de nós, até que a Aids e o Câncer chegaram para amedrontar todo mundo, e o ar se tornou tão poluído com as suas engenhocas de botar  CO2, CH4, N2O, CFC na atmosfera do mundo de meu Deus, para que eles se lembrassem de novo que a Amazônia poderia salvar o mundo com a sua floresta e a sua biodiversidade. Biodiversidade e biologia molecular que nos prometem uma parceria de guilhotina e pescoço  - nós com o pescoço -, pois iremos nos tornar, nesse mundo novo clonal/genético, simples fornecedores de folha, casca, nós e raízes. Isto é, nós entramos com as moléculas e eles ficam com a biologia e genética. Nunquinha vão transferir o domínio de suas patentes e de suas indústrias do primeiríssimo mundo para os bugres, índios mansos e comodatários da biota, gratuita para todos. Não precisa ter lenço e nem documento. É só chegar, ver e pagar o preço da pechincha aos guardiães e centuriões da selva. 

Tal como fizeram as indústrias de pneus e automóveis do princípio do século com a aviação norte-americana na II Grande Guerra Mundial e com a indústria do ABC que se fartou de comprar borracha fixada pelos Acordos de Washington, ao preço ridículo de US$ 0,39 por libra peso, posto a bordo em Belém do Pará, que serviu para ganhar a II Grande Guerra Mundial da fúria japonesa e encher os bolsos dos paulistas, à custa do heróico Soldado da Borracha. Creio que, por esse motivo, ele foi constitucionalizado em 1988 com a prebenda de uma aposentadoria de 2 salários mínimos/mês, que chegou, de forma póstuma, para a maioria desses anônimos seringueiros desconhecidos. Enquanto os americanos e os paulistas usufruíam a nossa biota, os amazônidas amargavam a promessa vã e vazia, de mundos e fundos, que jamais chegaram. 

Investimento que é bom, que cria emprego, educação, saúde, transporte, serviço público, ciência e tecnologia, nos vem em doses homeopáticas. Não temos nem os Anões do Orçamento com as suas malandrices para nos doar uma lasquinha de seus golpes de capoeira nas verbas da Lei dos Meios. 

Veio a SPVEA e depois a SUDAM e as promessas de infra-estrutura social, econômica, sanitária, educacional, científica e tecnológica ficaram no discurso e no gesto de retórica. O dinheiro que veio, ou foi desperdiçado nos ralos da República, ou mal aplicado nos conchavos dos gabinetes e assessorias dos Ministérios. Quando vinha era em conta-gotas, precedido de uma vasta prosopopéia de boas intenções salvíficas e redentoras. Política de panos quentes, de ventosas, de óleo canforado e aspirina para amenizar o grito do olvido e do desterro nas terras e rios do sem fim. 

Quando os milicos chegaram - e um dia os amazônidas irão fazer justiça a eles - e fizeram a revolução de 31 de março de 1964, o Estado Maior das Forças Armadas formulou uma estratégia de povoamento, colonização, investimento e defesa da Amazônia. A Amazônia recuperou o ritmo dos investimentos feitos durante o ciclo da borracha. Foram asfaltados os eixos rodoviários mais importantes pelos flancos leste, oeste e pelo centro dando, assim, continuidade e complementaridade a obra apenas iniciada, mas nunca terminada, no tempo de Juscelino Kubitschek. 

No rumo da BR-010/BR-316/BR-364/BR-230 vieram, novamente, os paus-de-arara do nordeste, comedores de rapadura e carne-de-sol mas, desta vez, acompanhados dostchês gaúchos - barbaridade! - dos uais mineiros com o seu arroz tropeiro, dos goianos comedores de pamonha, dos paulistas quatrocentões com sotaque italiano, dos paranaenses de fala arrevesada, dos barrigas verdes e ilhéus de Santa Catarina. 

Além, é claro, dos bóia-frias e sem-terras, expulsos das fazendas de café pela invasão da agricultura mecanizada da avassaladora soja, que tomou conta do país. Os empregos se tornaram mais escassos no sul e o jeito foi mandar os sem-terras, bóia-frias, minifundiários e muita gente, com garra e coragem, para povoar as margens das estradas e vicinais recém-abertas. 

Rompeu-se a impenetrabilidade da região e a população desceu do planalto central, tal como previa Roy Nash, há sessenta anos atrás, para ocupar a periferia da floresta, na zona de transição da mata densa para o cerrado. Em vinte anos, no período de 1970 a 1990, dois milhões de migrantes vieram para ficar e se fazer presentes com as suas fazendas, lotes de assentamento, precários ou não. Embora fossem alterando a cobertura florestal primitiva para dar lugar às suas plantações, eles estão, hoje, produzindo quatro milhões de toneladas de grãos e criando trinta e quatro milhões de cabeças de gado, bovino e bubalino.  

E todo o mundo fala que os capins definham, que a terra não é propícia, que há regressão de pasto após 2 anos, e o rebanho, mesmo assim, aumenta na razão de um milhão de cabeças de gado por ano na Amazônia Legal. As más línguas dizem que está havendo melhoria genética dos rebanhos, combate às epizootias, melhora nas pastagens e forrageiras, aumento na lotação e densidade boi/hectare. Os ecologistas não acreditam nessa história para “boi dormir” - assim eles dizem - pois a expansão se faz à custa de novos desmatamentos e queimadas. 

Os paulistas que se cuidem também, porque têm culpa no cartório, pois são os maiores carbonários e incendiários do país, quando tocam fogo, todos os anos, nos seus duzentos milhões de toneladas de cana-de-açúcar, na época das colheitas. Esse fogaréu e fumaceiro todo é debitado, pelas imagens do satélite, nas costas da Amazônia, que paga o pato desse inferno austral alheio. Tudo isso contribui e vai resultar no aquecimento global do planeta que, segundo os escatalogistas vão causar o degelo das camadas polares, que irão submergir, dentro das próximas décadas, os litorais e as terras baixas dos continentes. 

Se essa profecia se realizar vai ser um Deus nos acuda e nós, amazônidas, daremos graças ao Senhor por nos haver livrado das Tordesilhas e nos jogado para o mundo da floresta da terra-firme, onde o “diabo perdeu o cachimbo”, porém longe dos mares e das marés. 

Nem tando ao mar nem tanto à terra. O homem deve ser amigo da natureza -environment friendly - mas não é seu irmão. Só o homem é irmão do homem e, por isto, a teologia judia-cristã - nos diz que devemos amar uns aos outros. Amar mais a natureza em prejuízo do bem-estar do homem, é um sacrilégio e uma nova forma de panteísmo pagão ambientalista. 

Mas voltemos ao fio da meada. No período dos governos autoritários - assim chamado pelos moderados e pelos vivandeiros dos quartéis - não foi feito só o povoamento e abertura dos eixos rodoviários, que permitiram viabilizar o sul do Pará, Rondônia, Acre, norte de Mato Grosso e agora o sul do Amazonas. Grandes obras de infra-estrutura também foram feitas através de hidrelétricas como Tucuruí, Balbina, Samuel, que trouxeram energia e água para substituir as sucatas do passado empobrecido do nosso desterro. Infelizmente não lhes foi possível concluir as obras das barragens hidrelétricas das Usinas de Kararaô, Volta Grande do Xingú, Cachoeira Porteira e outras, que iriam permitir fornecer energia limpa e abundante para toda a região.  

Surgiram novos aeroportos, batalhões de fronteira, Projeto Rondon, Radam, Landsat, telecomunicações, Projeto Carajás, Porto Trombetas, Vila do Conde, Monte Dourado, Ponta da Madeira e os complexos minerais e metalúrgicos de ferro, manganês, caulim, bauxita, cassiterita, petróleo e gás na selva do Juruá e do Urucú.  

E a Zona Franca de Manaus, por fim, surgiu através do bico da pena do Marechal Castelo Branco, que assinou o Dec-lei 288, em 28/2/1967, apoiado pelo Ministro Roberto Campos, atendendo o pedido do ilustre engenheiro amazonense Arthur Amorim, filho de um velho “aviador” e comendador português aposentado. 

Em trinta anos conseguimos criar 22 pólos industriais no Distrito Industrial de Manaus, reunindo mais de trezentas médias e grandes empresas nacionais e multinacionais, um terço delas já com certificado de qualidade da série ISO-9000. Estas empresas investiram cerca de vinte bilhões de dólares em máquinas, equipamentos e tecnologias de última geração, que produziram no ano passado US$ 12,0 bilhões em faturamento, criaram mais de 200.000 empregos diretos e indiretos e recolheram  US$ 2,7 bilhões de impostos federais, estaduais e previdenciários arrecadados somente no Estado do Amazonas. 

Este sucesso foi a origem dos nossos males, das dores de cabeça e enxaquecas que nos afligem, mês-sim-mês-não, ou quase todo o santo-dia, com toda a sorte de armadilhas, percalços, arapucas e medidas provisórias.  

“modelo não serve” porque retirou do Brasil, do ABC e do centro-sul as indústrias e os empregos para colocá-los no Brasil do Uti-Possidetis do XYZ da Amazônia Central. ABC que não significa a terra dos três santos - André, Bernardo e Caetano - mas sim as três primeiras letras do alfabeto do primeiro mundo: A de arrojado, altivo e arrogante; Bde Banco do Brasil, Banespa, BC, Bradesco, que mandam e desmandam neste país; e C de centro, concentração, comunicação, comando, que não admitem concorrência nemcontestação. Já o Brasil Amazonense dos XYZ, das três últimas letras dos romanos - tem outro significado: X das incógnitas, problemas e equações do quarto e quinto graus; Ydo Ypsilone grego, na sua conotação popular do Pissilone de coisa complicada e cheia de encrenca; e Z de zorra, zorro, zumbi e zona.  

Por isso a Zona Franca de Manaus, tal como Cartago deve ser destruída - Delenda ZFM - pois ela é difícil, exótica, lontana, que não pode nem deve concorrer nem fazer frente com o ABC por onde o mundo e o Brasil começa e termina. 

Com todos esses e outros investimentos houve um alento e um sopro de vida na combalida região amazônica. Afinal, alguém se lembrava de nós e o discurso se fez acompanhar da execução dos investimentos nessa infra-estrutura e cadeia produtiva, que muitos ainda consideram - as viúvas do Muro de Berlim - a maior hecatombe ambiental que podia acontecer na Amazônia. 

Todos esses grandes projetos foram considerados megalomaníacos, poluidores, concentradores de renda, espoliadores dos pobres, desastrosos do ponto vista ambiental, estatizadores a serviço do imperialismo capitalista, e como tal deveriam ser combatidos tenazmente no Parlamento, Academias, Institutos de Pesquisas Pura e Aplicada, Universidades e, naturalmente, por todas as Ongs da vida e dos países do G-7, que viam nesse novo impulso o surgimento de uma nova frente de concorrência na mineração, produção de petróleo, exportação de madeira, pesca, agricultura, pecuária e demais atividades produtivas. 

Tudo isto são coisas do passado e com a redemocratização do país e a Constituição Cidadã de 1988, cessou o projeto geopolítico e estratégico e, assim, a Amazônia deixou de ser prioridade nacional. Agora é deixar para ver como fica. Se o objetivo político é não deixar a Amazônia crescer mais, pelo menos, por piedade, não nos imponham o retrocesso e a marcha ré. Pois neste mundo virtual, digital e global, quem não corre marca passo. E assim vamos ficando para trás, pois a nova ordem deixou-se envolver pelos tramas e urdiduras das premonições proféticas do fim do mundo.  

Tudo isso porque era preciso preservar a Amazônia para salvar o mundo. Entramos nessa e vai ser difícil sair dela. Os novos utopistas são numerosos, importantes e influentes. Dominam a mídia e os meios de comunicação, as finanças, a Banca Internacional e as forças políticas que comandam os G-7 e os PPG-7. Por isso eles se tornaram invencíveis, causando espanto, paralisia e paraplegia. 

Mudei de opinião. Não estamos mais vivendo os Últimos Dias de Pompéia. Estamos agora apavorados como a cidade de Palermo ficou quando os sarracenos tomaram e ocuparam a cidade nos anos de 835 a 1071, e os italianos daquele tempo ficaram todos apalermados, tontos, patetas e pacóvios. 

Insisto. Só nos resta abjurar o meridiano de 74º do Rio Javari, do Tratado de Madrid de 1750, que foi responsável pela criação da Capitania de São José do Rio Negro, através da Carta Régia de 3 de março de 1755, no tempo do Rei D. José I, cuja instalação se deu em 7 de maio de 1758, com a presença do Governador Geral Francisco Xavier de Mendonça Furtado, meio-irmão do todo poderoso Marquês de Pombal. A capitania foi instalada na vila de Mariuá, no mesmo dia rebatizada para Barcelos, em homenagem à cidade de dinastia dos Bragança. Aliás, essa capitania, por ordem de El-Rey, foi criada para ter sede na vila e aldeia, entre a Boca Oriental do Rio Javari e a aldeia de São Pedro, para servir de “terceiro governo nos confins ocidentais do Estado do Grão-Pará”. 

A carta que instituiu a referida capitania criou, desde logo, a primeira renúncia fiscal no espaço ocupado pelo atual Estado do Amazonas, que é sucessor da antiga capitania de São José do Rio Negro. Naquela altura, El-Rey ordenou para favorecer os moradores da referida vila e seu distrito as seguintes regalias: Hei por bem de os isentar a todos de pagarem fintas, talhas, pedidos e quaisquer outros tributos ... excetuando-se somente os Dízimos devidos a Deus ... E pelo que desejo beneficiar esse novo estabelecimento sou servido que as pessoas que morarem na sobredita vila não poderão ser executadas pela dívidas que tiverem contraído fora dela e de seu distrito ... 

Xavier de Mendonça Furtado, Governador e Capitão General do Estado do Grão-Pará e Maranhão e Ministro Plenipotenciário para demarcar a fronteira do Tratado de Madrid de 1750, que revogou a convenção de Tordesilhas de 1494, resolveu por sua própria conta e risco, desobedecer El-Rey e, em vez de fundar a nova capitania em São José do Javari, escolheu Mariuá, logo lusitanizada para Barcelos, sem que houvesse para tanto nenhuma carta régia ou autorização d´El-Rey. 

Ainda bem que assim o fez, pois do contrário, partindo da sentinela da foz do Javari, o futuro Estado do Amazonas poderia ter transposto a cordilheira dos Andes e, hoje, teria sede em Lima, sob governo do Presidente Fujimori. E estaríamos hoje todos às voltas com os problemas dos guerrilheiros do Tupac-Amaru e envolvidos com a máfia dos narcotraficantes. 

O deslinde dessa história toda é muito pitoresca e emblemática. Xavier de Mendonça Furtado, com o seu nepotismo, nomeou como 1º Governador da Capitania de São José do Rio Negro, o seu sobrinho e protegido Joaquim de Melo Póvoas, para governar a capitania no período de 1758 a 1761. 

Durante esse período o pobre governador fez muita correspondência, que transcrevi ipsis-litteris na Introdução das Cartas do Primeiro Governador da Capitania de São José do Rio Negro, publicada pela Universidade do Amazonas em 1983, quando eu era, naquela altura, Coordenador da Comissão de Documentaçãoo e Estudos da Amazônia - CEDEAM. 

Essa correspondência e a minha introdução, praticamente, ninguém leu, porque Manaus é o túmulo do pensamento acadêmico e científico amazônico. Essas cartas e conceitos possuem, todavia, uma extraordinária força,  senso, símbolo e exemplo de como era difícil e tormentoso - como ainda hoje é - viver nos confins ocidentais da Amazônia Mediterrânea. 

A sua correspondência com o Governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado, irmão do Marquês de Pombal, além de pitoresca, tem muito senso de humor, paixão, desespero e sensação de impotência de quem estava pregando no deserto. Retiro de suas correspondências frases pontuais para encerrar este romanceiro: 

    - Deus permita continuarmos para que eu posse resistir a grande aspereza, de todos estes rios e matos ... 

    - O feroz gentio corso da Nação Mura recolheu-se para o centro do mato ... 

    - Fui a antiga aldeia dos Abacaxis, a qual está mudada para Itacoatiara ... e a erigi em nova vila de Serpa ... 

    - A receita da civilização é: casamento, ABC, algodão, maniva e cacau ... 

    - Achei aquele lugar na maior miséria ... não havia em todo aquele distrito um pé de maniva ... e cuidei para que pagassem o Dízimo de suas lavouras e o Dízimo das Tartarugas ... 

    - Só usam da macaxeira e milho para as beberronias ... e não foi possível fazer casamento algum, não porque os soldados deixassem de querer, mas porque as índias eram muito bisonhas e se escondiam no mato. 

    - Não pude dar princípio à reedificação do Palácio e do aquartelamento pela falta de gente ... de mantimentos. Me foi preciso despedir as índias da roça para poder sustentar os soldados. Todos os quartéis estavam destruídos. 

    - Mandei fazer um curral de tartarugas que é uma das melhores obras que já fiz 

    - Formava intenção de fazer uma formosa Praça e nela por o Pelourinho e Cadeia, porém o tempo não me deu lugar e justo é que fique alguma coisa para o meu sucessor ter que fazer. 

    - Necessito ferramentas, fazendas e dotes dos soldados para que casem naquele rio. 

    - A missão de Iturriaga (Plenipotenciário da Espanha para a demarcação dos limites): é preciso ganhar tempo 

    - O escândalo do Tesoureiro que desapareceu com setenta alqueires de farinha. 

    - Os vigários querem fazer rendimento no pé do altar: não deixam as índias fazerem beijú e nem pintarem cuias aos domingos. O clérigo bebia demasiado aguardente, vestindo-se em trajes de mulher e andava de noite bailando e tocando pela rua.

    - O vigário de Silves deu sumiço nas 80 arrobas de cravo. 

    - Me chame de Senhor: sabe com quem está falando? 

    - Não vem dinheiro nem para se pagar os oficiais da expedição e o Euquério andava amancebado com quatro mulheres... 

    - Não tem papel: escrevo nas costas das cartas, não há vinho nem hóstias. Só tem sal, banha de tartaruga, pimenta e tucupi ... 

    - Juiz, ouvidor, cônegos e Governador não se entendem: vai se fechar a Sé e não tem quem reze. 

    - Deixo Barcelos sem fitas, fazendas, bretanhas, ruões e ferramentas: me dê uma patente de Coronel. 

    - Que Governador sou eu que não posso nomear nem um cabo de canoa? 

    - Me faça a mercê de uma patente de coronel de cavalaria a onde me criei. 

    - Meu tio: me livre deste sertão e me faça a mercê de nomear-me Governador do Maranhão. 

Com este último pedido termina a correspondência de Joaquim de Melo Póvoas, Governador da Capitania de São José do Rio Negro, em carta de 8 de dezembro de 1760. 

Melo Póvoa saía derrotado de sua missão na nova capitania que deveria ter sido instalada no meridiano 74º de longitude na Vila de São José do Javari, criada pelo Tratado de Madrid de 1750, que anulou a linha de Tordesilhas e nos levou a viver nos confins do mundo. Ele teve sorte, pois ao fim e ao cabo, foi nomeado pelo seu tio Governador do Maranhão, desfrutando, assim, o espaço do meridiano original de 1494 e foi viver mais feliz, gozando as delícias da praias de Olho d’Água e do Calhau. 

Ontem como hoje, viver no mediterrâneo amazônico sem infra-estrutura social, econômica, transporte, energia, portos, estradas, saúde, educação, ciência e tecnologia - é dar murro em ponta de faca. É tentar o impossível, equivalente àquela velha história do homem, sentado no chão, tentando se levantar puxando os seus próprios cabelos. 

Sem dúvida, o Tratado de Madrid de 1750, que deu a glória de um continente para o Brasil tornou-se um pesadelo para os araguaianos, xingüanos, tapajônios, madeirenses, guaporenses, puruseiros, acreanos, juruaenses, javarinos, solimonos, içá-putumaios, japurá-caquetanos, rionegrinos, riobranquenses, nhamundaenses, trombetanos, paru-jarienses, amazonaenses do Alto e do Médio e os paraenses do Baixo.  

Devemos voltar as origens e solicitar ao Rei da Espanha que nos dê a mercê e a graça de revogar o Tratado de Madrid de 1750 e voltar a viver no Brasil pequeno das Tordesilhas. Porque do jeito que estamos não dá mais para agüentar o mediterrâneo e a fronteira com ou sem renúncia fiscal, com ou sem Zona Franca de Manaus. O Brasil seria menor, mas haveria paz e cessaria a guerra econômica, fiscal e política, que nos faz viver atormentados neste desprotegido e abandonado Estirão do Equador 

Porque em verdade vos digo: nós somos os desterrados e deserdados de Tordesilhas.