Uma lição de esperança
Jacques
Marcovitch
A partir dos
clássicos inesquecíveis de Primo Levi ganharam destaque, em todo o mundo, a
memorialística e a ficção de autores judeus inspiradas nos acontecimentos dos
anos 1930 e 1940.
Guiadas pelo
mesmo fio condutor da verdade, muitas obras pós‐Levi conquistaram grande
acolhida por leitores das mais diversas nacionalidades. Aqui no Brasil, como
sabemos, vieram à luz trabalhos de grande valor em torno do tema. Um deles,
mais recentemente, foi o romance de Ilko Minev. As páginas de “Onde estão as
flores” inscrevem-se entre as mais pulsantes e motivadoras de reflexão.
Transformar
desventuras em patrimônio de uma vida significativa é a lição que Licco Hazan,
personagem da trama em análise, transmite aos acompanhantes de sua trajetória.
Nascido em
Sofia, Hazan vive sua adolescência no período que Timothy Snyder aponta como a
mais terrível calamidade moral e demográfica na história moderna. Uma
catástrofe marcada por assassinatos em massa pelos regimes nazista e soviético
nos períodos em que ganharam ímpeto.
Imigrante
judeu búlgaro, Licco conta como sobreviveu aos seus poderosos carrascos para se
tornar décadas depois, o pioneiro capaz de erigir um legado que transcende sua
existência.
Órfão de mãe
aos dois anos e de pai aos nove anos idade, ele é conduzido, ainda jovem, aos
campos de trabalhos forçados, onde aprende a lidar com os infortúnios para
sobreviver.
De Sofia a
Istambul, obtém um visto de entrada para o Brasil e segue pelo estreito de
Gibraltar para o Porto de Santos. Ali não chegam, nem ele, nem sua amada Berta.
Transportados por um navio à deriva, são forçados a desembarcar em Belém do
Pará.
Ele mecânico,
ela contadora, estabelecem‐se para conquistar novos horizontes, amparados por
seus valores e pela disposição de trabalhar. Valores forjados no convívio com
os descendentes da comunidade de judeus marroquinos que emigraram para
Amazônia.
Iniciava-se,
então, uma nova fase institucional no Brasil com a sua independência em 1822. A
Constituição Federal de 1824 já assegurava a liberdade religiosa e valorizava o
mérito, como descreve Maria Luiza Tucci Carneiro em sua obra “Brasil Judaico:
Mosaico de Nacionalidades” (Editora Maayanot, 2013).
A rica
narrativa da travessia do Atlântico lembra os figurantes da tela “Navio de
Emigrantes”, de Lasar Segall, que retrata, nesta grandiosa alegoria da
emigração, diferentes tipos humanos em viagem para o Novo Mundo.
Eram
ocupantes do mesmo barco cuja diversidade de origens produziam o ruidoso
cruzamento. Notado por Licco Hazan, “dos idiomas iídiche, alemão, russo, árabe,
grego holandês, francês, tcheco, búlgaro, sérvio, espanhol, húngaro, português,
inglês e línguas escandinavas”.
Esperançosos,
apesar da fragilidade de seus destinos, tornaram-se perseverantes e realizaram
seus sonhos.
Passaram a
ser fontes de aprendizagem e inspiração, conquistando uma segunda vida na mente
dos seus descendentes.
Em poucos
anos estudaram e conheceram as possibilidades do novo mundo que passaram a habitar.
Fizeram-se importantes exportadores do óleo de pau-rosa, fixador utilizado na
indústria de cosméticos, e do bálsamo de copaíba com suas propriedades anti‐inflamatórias
e das sementes de cumaru apreciadas pelo seu aroma.
Enfrentam,
na Amazônia, a barreira de outros hábitos e idioma, costumes e regras sociais.
Com isso, desenvolvem o respeito pelo outro, alcançam resultados inconcebíveis
nas suas caminhadas e desenvolvem uma capacidade incomum de resiliência.
Sua
experiência leva-os a formular a síntese da boa gestão com palavras singelas e
exatas: “Uma boa administração tem muito a ver com bom senso, honestidade e
simplicidade”. Ou “quando se acerta no alvo em algum negócio ou produto, os
lucros vêm rápido. Da mesma forma os erros geram prejuízos implacáveis, então é
preciso estancar o sangramento, não se pode ter pena. Tem que cortar na carne,
engolir o prejuízo e seguir em frente”.
A crença dos
personagens no Brasil é inabalável. Afirmam que o remédio para os males
nacionais estão em três prioridades: simplificação tributária, reforma política
para melhorar a governança pública e desburocratização da legislação ambiental.
Expostos
desde jovens a adversidades e choques culturais, sua infância e adolescência
foram marcadas por momentos de tensões e penúria na vida pessoal que os levaram
a tentar obstinadamente, com êxito, uma vida de superação.
Em vez de se
conformar às aparentes impossibilidades, aprenderam a localizar a saída no
labirinto da vida. Confirmaram, com seus movimentos, que apesar de todos os
infortúnios é possível construir uma vida significativa e contribuir para um
mundo melhor.
O romance
“Onde estão as flores”, de Ilko Minev, é obra de consulta indispensável para
estudiosos dos fluxos migratórios que chegaram ao Brasil e contribuíram para o
desenvolvimento de uma nova pátria. Leitura recomendável para educadores e
jovens empenhados na construção de seus projetos de vida.
Livro: Onde
estão as flores? Autor : Ilko Minev
Editora
Virgilae, 2014
Lancamento
02.12.13 na Livraria da Vila Shopping Higienopolis, São Paulo